CAPA
PONTO DE PARTIDA (PÁG. 1)
O médico, os planos de carreira e os novos desafios
ENTREVISTA (PÁG. 4)
"É preciso aprender a gerir a própria emoção"
CRÔNICA (PÁG. 10)
Envelhecendo, mas sem desanimar
CONJUNTURA (PG. 12)
Você é Nomofóbico?
VANGUARDA (PG. 16)
Progressos da cirurgia bariátrica
DEBATE (PG. 20)
Planos de Carreira para Médicos
SINTONIA (PG. 26)
O Direito e a certeza médica
HISTÓRIA DA MEDICINA (PG. 29)
Como é bom ser bom
HOBBY (PG. 32)
Paixão pela arte e fascínio pela Medicina
GIRAMUNDO (PG. 36)
Cérebro criativo
PONTO COM (PG. 38)
Quem diria...
CULTURA (PG. 40)
Cultura, emoção e história
GOURMET (PG. 44)
De bem com a vida
FOTOPOESIA (PÁG. 48)
Trajetório Poética do Ser
GALERIA DE FOTOS
ENTREVISTA (PÁG. 4)
"É preciso aprender a gerir a própria emoção"
Augusto Cury
“É preciso aprender a gerir a própria emoção”
Médico é considerado o escritor com maior número de leitores no Brasil e o psiquiatra mais lido no mundo, na atualidade
São 52 livros, com cerca de 30 milhões de exemplares somente no Brasil, e publicados em mais de 70 países. A tiragem de seus lançamentos é, em média, de 100 mil somente no País. Segundo o jornal Folha de S. Paulo e revista Veja, ele é o escritor mais lido no Brasil na última década. Suas obras de psicologia aplicada buscam conduzir milhões de leitores a explorar as habilidades intelecto-emocionais, como pensar antes de reagir, ser empático, resiliente, proteger a mente e gerir a emoção nos focos de estresse. “Como vamos aprender a ser líderes de nós mesmos ou autores de nossa própria história sem desenvolver tais habilidades? Impossível!”, indaga o autor, formado em 1984 pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, hoje vinculada à Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
Cury, que mora em Ribeirão Preto (SP), considera-se privilegiado por ter quatro mulheres em sua vida: sua esposa Suleima, que também é médica, dermatologista, e três filhas, duas psicólogas e uma engenheira. “Elas me ensinam todos os dias que a mente humana é insondavelmente complexa”, observa.
O autor da teoria da Inteligência Multifocal e da Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA) não tem tempo de atender como médico há cerca de 10 anos, devido a seus compromissos nacionais e internacionais como escritor, conferencista sobre Gestão da Emoção e projetos cinematográficos. Porém, ressalta, fez mais de 20 mil atendimentos psiquiátricos e psicoterapêuticos em consultório particular e como perito concursado em psiquiatria judicial, pela Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, e psiquiatra da Secretaria de Saúde, também do Estado de São Paulo.
"Sem a educação, não formamos mentes livres e saudáveis; nossa espécie torna-se inviável"
Em relação a seus colegas médicos, afirma: “eles precisam cuidar de sua saúde emocional. São ótimos para os outros, mas carrascos de si mesmos; colocam-se num lugar indigno de sua própria agenda”. “Ser médico é ser um poeta da vida, um ser humano que talvez não escreva poesias, mas vive ou deveria viver sua vida como uma poesia”, observa.
Ser Médico - A educação ocupa um lugar de destaque em sua obra. Como o senhor
vê a atual formação dos jovens?
Augusto Cury: Sem a educação, não formamos mentes livres e saudáveis; nossa espécie torna-se inviável, instintiva, predadora,
autodestrutiva e egocêntrica. Mas, infelizmente, o sistema educacional mundial
está doente, formando pessoas doentes, para uma sociedade doente, apesar de
os professores serem os profissionais mais importantes do teatro social. A educação
clássica é racionalista, cartesiana e nos ensina a dirigir empresas, carros, aeronaves,
mas não a dirigir o veículo mental. Não é isso um paradoxo doentio? Ensina-nos
a explorar a célula e o átomo, mas não a explorar as habilidades intelecto-emocionais,
como pensar antes de reagir, ser empáticos, resilientes, ter capacidade de gerir a emoção nos focos de estresse. Como vamos aprender a ser autônomos ou autores de nossa própria história sem desenvolver tais habilidades? Não é sem razão que está havendo uma epidemia de transtornos emocionais e suicídios.
"No cérebro humano há mais cárceres do que nas cidades mais violentas do mundo"
Ser:O senhor desenvolveu a teoria da Inteligência Multifocal. Poderia explicar no que ela consiste? Quais as ferramentas e/ou iniciativas podem ser utilizadas para desenvolvê-la?
Cury: A teoria da Inteligência Multifocal estuda cinco grandes processos: construção de pensamentos, formação do Eu como gestor da mente humana, os papéis conscientes e inconscientes da memória, o programa de gestão da emoção e o processo de formação de pensadores. Demorei mais de 25 anos para escrevê -la. Foram três mil páginas, fundamentadas em análises sistemáticas de mais de 20 mil atendimentos psiquiátricos e psicoterapêuticos. Cada paciente que atendi em surto psicótico, com crises depressivas ou ataques de pânico, não era mais um doente, mas um ser humano único, rico, complexo, um mundo a ser descoberto. É muito difícil desenvolver uma nova teoria psicológica nos dias atuais, ainda mais em umanação saturada de preconceitos, que importa tudo, incluindo o conhecimento, que não valoriza seus cientistas e pensadores. Fundamentado nos alicerces da humildade, digo que estudei áreas que brilhantes pensadores, como Freud, Piaget, Adler e Skinner, não tiveram oportunidade de teorizar ou aprofundar, principalmente o processo de construção de pensamentos, seus tipos, natureza e processo de formação do Eu como gestor da emoção. Lembro que, no final da década de 80, procurei uma das maiores universidades, animadíssimo, e comentei que queria pesquisar sobre os pensamentos e as armadilhas mentais. O professor-doutor olhou bem nos meus olhos e me disse: “você é ousado! O que você quer, pesquisar ou ganhar o Prêmio Nobel?”. Não queria premiação alguma, aliás, sou extremamente crítico ao culto a celebridades. Entendi, portanto, que uma teoria não cabe dentro de uma tese de doutorado, ela é uma fonte de teses. Ela não é um corpo de verdades, mas um conjunto de hipóteses e postulados que outros pesquisadores devem comprovar ou refutar. Um dos fenômenos da minha área de pesquisa é o fenômeno RAM (Registro Automático da Memória). Descobri que ele é um “biógrafo não autorizado do metabolismo cerebral”, que arquiva rapidamente cada pensamento lúcido ou perturbador, cada emoção prazerosa ou angustiante. E tudo o que é arquivado não pode ser mais deletado, só reeditado. Portanto, se o Eu não aprender a qualificar, reciclar e impugnar nossas emoções e pensamentos, não preveniremos transtornos psíquicos; construiremos facilmente cárceres mentais e adoeceremos, mesmo não atravessando grandes traumas na infância, como Freud imaginava. Não temos consciência de que no cérebro humano há mais cárceres do que nas cidades mais violentas do mundo.
"Devemos formar sucessores, e não herdeiros"
Ser: O que é a Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA) sobre a qual o senhor fala em seus livros?
Cury: A SPA é uma síndrome ansiosa diferente da TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada), do TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), da Síndrome de Burnout (estresse profissional) e outras. Ela é causada pelo excesso de estimulação do fenômeno RAM, o biógrafo inconsciente do cérebro, a partir de milhões de dados que chegam pelo uso indiscriminado da TV que, em uma hora, mostra mais de 60 personagens e mais de mil alternância de cenas –, jogos de videogame, informações das empresas, escolas e, em destaque, do uso de smartphones. Esse excesso de informações é registrado pelo fenômeno RAM, saturando o córtex cerebral, hiperestimulando os fenômenos inconscientes que leem a memória e constroem cadeias de pensamentos, como o Gatilho e o Autofluxo. O Gatilho dispara diante de cada estímulo, por exemplo das redes sociais, abrindo milhares de arquivos ou janelas no córtex cerebral. Por sua vez, o Autofluxo lê freneticamente essas janelas abertas. O resultado dessa hiperestimulação é uma hiperconstrução de pensamentos jamai vistos na história, resultando na Síndrome do Pensamento Acelerado. A SPA gera esgotamento cerebral, cansaço ao acordar, cefaleias, dores musculares, mente inquieta, dificuldade de conviver com pessoas lentas, déficit de elaboração de experiências, sofrimento por antecipação, baixo limiar para suportar frustrações, déficit de concentração, déficit de memória e outros. Por desconhecimento do funcionamento da mente, em todo o mundo, muitos médicos estão errando o diagnóstico, classificando crianças e adolescentes como hiperativos, com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), quando, na realidade, a grande maioria tem SPA. Os sintomas são semelhantes, mas as causas distintas, e o tratamento também. De 1% a 2% das crianças têm hiperatividade, que é de fundo genético, ou seja, com um pai, mãe ou
avós agitados. Mas por que 70%, ou mais, dos jovens são inquietos, intolerantes, não têm limites, querem tudo rápido e pronto? Porque foram hiperestimulados pelo excesso de informações e aparelhos digitais. Elas parecem gênios na infância, mas o gênio desaparece na adolescência. Tive o privilégio de descobrir e descrever essa síndrome no livro Ansiedade – Como enfrentar o mal do século. Para termos uma ideia, uma
criança de 7 anos tem, hoje, mais informações do que tinha um imperador romano. Não é suportável.
Ser: O que fazer para mudar essa situação?
Cury: É completamente inadequado prescrever “drogas da obediência” para os portadores de SPA, embora possa por tempo determinado ser adequado para crian ças excessivamente hiperativas. Os médicos e psicólogos devem orientar um novo estilo de vida para quem tem a SPA, inclusive para quem tem hiperatividade, como usar menos os aparelhos digitais, praticar esportes, aprender instrumentos musicais, fazer pintura, praticar técnicas de relaxamento, cuidar de animais, ter projetos sociais, enfim, ter atividades lentas, lúdicas e produtivas, para formar um corpo de janelas saudáveis no cérebro, capaz de estabilizar e aprofundar a emoção. Acabei de lançar o livro Socorro, meus filhos não têm limites!, sobre este assunto. Nesta obra abordo que educar sem colocar limites não forma pensadores, mas pequenos imperadores. Pais que dão excesso de presentes ou deixam suas crianças usando smartphones sem controle
cometem um “erro emocional” dramático com seus filhos, pois asfixiam o fenômeno psicoadaptação, gerando mendigos emocionais, ou seja, crianças e adolescentes que precisam cada vez mais de produtos para sentirem migalhas de prazer. Os pais deveriam também mudar a relação paifilho, da era do apontamento de falhas, para a
da celebração dos acertos. Ao invés de serem chatos, repetitivos, invasivos, corrigindo a cada momento os filhos, gerando janelas traumáticas ou killers, deveriam observar e aplaudir cada comportamento saudável deles que passa despercebido. Assim formarão janelas saudáveis ou lights no córtex cerebral.
"É preciso muito mais para formar mentes brilhntes na era da ansiedade"
Ser: O senhor poderia dar um exemplo de como o método da Escola da Inteligência ajuda a desenvolver essas habilidades?
Cury: Preocupado em contribuir com a educação mundial para que as escolas não sejam apenas racionalistas, mas contribuam para formar seres humanos livres, autônomos, líderes de si mesmos, empáticos e empreendedores, desenvolvi o Programa Escola da Inteligência, que é um dos raros, se não o primeiro, programa mundial de gestão da emoção. Vários países querem importá-lo. Seu desenvolvimento levou mais de duas décadas. O programa entra dentro da grade curricular – uma aula por semana – e ensina habilidades que não tivemos oportunidade de aprender, como pensar antes de reagir, autocontrole, disciplina, gerenciamento da ansiedade, resiliência, capacidade de lidar com bullying, perdas e frustrações, trabalhar em equipe e autonomia. Temos o maior time de psicólogos da atualidade, que treina mais de 8 mil professores em mais de 800 escolas. Nós subsidiamos o programa. Por isso, custa menos que uma consulta médica por ano, com todos os treinamentos, cursos online e presencial para os pais, e material didático. Além disso, mais de 9 mil crianças são ajudadas com o programa, gratuitamente. E, em conjunto com a Academia de Polícia Federal, estamos adotando algumas escolas públicas mais vulneráveis para fornecer o programa, gratuitamente, visando diminuir a violência e expandir a gestão da emoção. É um grande sonho. Os pais deveriam suplicar e até exigir que a escola do seu filho não seja racionalista ou só ensine os valores básicos como ética e honestidade. É preciso muito mais para formar mentes brilhantes na era da ansiedade.Quem quiser conhecer, pode acessar www.escoladainteligencia.com.br.
Ser: O que os pais podem fazer para melhorar a educação que dão a seus filhos? O senhor diz em sua obra que os pais devem ter sucessores e não herdeiros... Qual a diferença?
Cury: Pais viciados em elevar o tom de voz e corrigir erros a todo momento estão aptos para consertar máquinas e não para formar mentes brilhantes. Devemos transferir para nossos filhos o que o dinheiro não pode comprar, falar de nossas lágrimas para que eles aprendam a chorar as deles, falar das nossas dificuldades e fracassos para que entendam que ninguém é digno do pódio se não usar suas derrotas para alcançá-lo. Devemos formar sucessores, e não herdeiros. Sucessores pensam em médio e longo
prazos, herdeiros querem tudo rápido; sucessores se curvam em agradecimento, herdeiros são especialistas em reclamar, querem que o mundo se curve na sua órbita.
Ser: E quanto aos médicos, quais os principais obstáculos para exercerem plenamente a profissão?
Cury: Os principais obstáculos são os cárceres mentais: a SPA, ser workaholic (viciado em trabalho), ser viciado em smartphone, sofrer por antecipação, ser autopunitivo ou cobrar demais de si mesmo, ser vítima da glossofobia (medo de falar em público, que atinge 75% da população), ter compulsão consumista, ser escravo do padrão tirânico de beleza, em destaque as mulheres. E beleza está nos olhos de quem vê, não pode ser vendida, comprada ou comparada. Outros cárceres mentais: ser um traidor do seu
sono, fins de semana, equilíbrio mental, sonhos, qualidade de vida... Não conheço uma pessoa que não traia sua saúde mental e o tempo com as pessoas que ama. Muitos profissionais liberais são ótimos para os outros, mas carrascos de si mesmos, colocam-se num lugar indigno de sua própria agenda. Eles precisam aprender a desenvolver a gestão da emoção (www.academiadegestaodaemocao.com). O tempo da escravidão não terminou, mudou de endereço. Hoje, as algemas são intrapsíquicas. Por isso,
meu próximo projeto se chama Prisioners of the mind (Prisioneiros da Mente). Estou escrevendo um livro com este título a ser publicado no segundo semestre, e, a partir dele, provavelmente será originado um seriado internacional.
“Para quem está sofrendo, um médico vale mais que todo ouro do mundo"
Ser: Como ocorreu sua transformação de médico para o escritor com dezenas de milhões de leitores em 70 países?
Cury: Tudo começou quando passei pelos vales de uma crise emocional, do segundo para o terceiro ano da faculdade de Medicina. Descobri, nessa época, que as lágrimas que não temos coragem de chorar são mais cálidas do que as que se encenam no teatro do rosto. Comecei a fazer milhares de perguntas para mim mesmo: por que não sou líder da minha emoção? Que traumas me controlam? Como surgem meus pensamentos e emoções perturbadores? A arte das perguntas libertou meu imaginário
e, assim, surgiu o sonho de escrever uma teoria psicológica num país que não valoriza seus pensadores. A dor que atravessei e a paixão por contribuir com a humanidade foram minhas grandes mestras. E a Medicina, bem como meus pacientes, foram minha inspiração. Comecei a escrever no diretório acadêmico, numa sala mofada, que cheirava mal, com milhares de caixas de remédios amostra-grátis. No sexto ano, escrevia quatro horas por dia. Foram mais de três mil páginas, em 25 anos, para publicar meu livro/teoria. Para alguns, eu estava delirando; para mim, estava lutando pelos meus sonhos. Muitas editoras me rejeitaram antes de publicar meu primeiro livro. Mas o mundo é cíclico: quem vence sem riscos, triunfa sem glórias. Editoras que um dia me rejeitaram, hoje suplicam para que eu publique com elas. Ser médico me ajudou a ser resiliente e proativo. E espero que muitos médicos sejam escritores e líderes sociais, democratizem seu conhecimento e intervenham no teatro brasileiro. Ser médico
é ter uma profissão estressante porque lida com altíssimos riscos, mas, ao mesmo tempo, é uma missão magnífica, poética, altaneira, nobilíssima. Para quem está sofrendo, um médico vale mais do que todo ouro do mundo, é mais importante que um rei ou uma celebridade mundial. O médico traz força para o cansado, alegria para o abatido, esperança para o angustiado e qualidade de vida para o enfermo. Numa existência brevíssima como gotas de orvalhos, que por instantes aparecem e logo se
dissipam aos primeiros raios solares do tempo, ser médico é ser um poeta da vida, um ser humano que talvez não escreva poesias, mas deveria viver sua vida como uma poesia. Por isso, espero que meus colegas médicos entendam que antes de namorar alguém, deveriam aprender a namorar a própria vida, a sua saúde física e emocional.