CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Editorial de Renato Azevedo Júnior - Presidente do Cremesp
ENTREVISTA (pág. 4)
Soren Holm - editor do Journal of Medical Ethics
SINTONIA (pág. 9)
Médicos e indústria farmacêutica
CRÔNICA (pág. 12)
Millôr Fernandes
DEBATE (pág. 14)
Aids: em discussão o tratamento profilático
MÉDICOS NO MUNDO (pág. 20)
As muitas guerras do dr. Filártiga
EM FOCO (pág. 24)
AVAAZ: protestos em um clique
HISTÓRIA DA MEDICINA (pág. 27)
Médico, torneiro mecânico e inventor
GIRAMUNDO (págs. 30/31)
Curiosidades da ciência e tecnologia, da história e de fatos atuais
PONTO COM (págs. 32/33)
Informações do mundo digital
SUSTENTABILIDADE (pág. 34)
Sacolas plásticas: uma história sem heróis nem vilões
LIVRO DE CABECEIRA (pág. 37)
Indicação da conselheira Ieda T. Verreschi*
CULTURA (pág. 38)
Pedro Almodóvar
MAIS CULTURA (pág. 41 )
A revolução romântica
HOBBY (pág. 42)
Sem efeito colateral
CARTAS & NOTAS (pág. 33)
SUS: Cremesp recolhe assinaturas
GOURMET (pág. 45)
Sabor de vida em família
FOTOPOESIA( pág. 48)
João Cabral de Melo Neto
GALERIA DE FOTOS
CULTURA (pág. 38)
Pedro Almodóvar
A pele que habito
Filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar trata de temas complexos como manipulação genética, bioética e transexualidade
Por Fátima Barbosa*
Se um bom filme é aquele que prende a atenção do espectador, A pele que habito – do mais famoso cineasta espanhol depois de Luis Buñuel, Pedro Almodóvar – é, então, um filme genial. Suspense light, impecavelmente dirigido por meio de cenas hiper-realistas, atuação convincente, timing perfeito, flashbacks e cortes magistrais, o filme hipnotiza do começo ao fim. Para isso não precisa de efeitos especiais hollywoodianos com pouco conteúdo. Ao contrário. O diretor conta uma ótima história, abordando vários temas complexos e atuais, como bioética, manipulação genética e transexualidade, que podem ser transpostos também para uma questão filosófica: a busca de todo ser humano por uma identidade, em um mundo no qual a aparência vale mais que a essência. Ou seria o contrário, a procura de uma pele que se adeque à identidade de cada um?
Para os médicos, é uma maneira interessante de refletir sobre os limites da medicina e os dilemas éticos da profissão. O protagonista é um cirurgião plástico – Robert Ledgard –, competentemente interpretado por Antonio Banderas, que, após 19 anos, voltou a filmar com Almodóvar, com quem iniciou sua carreira.
Baseado no livro Tarântula, de Thierry-Jonquet, o roteiro tem como argumento principal a busca obsessiva do médico por uma pele artificial que poderia ter salvado sua mulher, cujo corpo ficou inteiramente queimado em um acidente de carro, ao qual sobreviveu por algum tempo. Sua filha Norma (Blanca Suárez) apresenta distúrbios mentais após a morte traumática da mãe. Em uma festa, durante um período de reabilitação, ela mantém contato com Vicente (Jan Cornet). A partir daí, uma reviravolta surpreendente se desenvolve, com a participação de uma das atrizes queridinhas do diretor, Marisa Paredes, no papel da governanta, Marília; e de Elena Anaya, no papel de Vera. A única derrapada foi mostrar um personagem caricato – Zeca (Roberto Álamo) –, filho da governanta e de um ex-empregado da mansão. O menino passou alguns anos morando em uma favela em terras tupiniquins. Marginal, brutal e malandro, é a imagem do Brasil que o cinema internacional (ops, e nacional também) adora mostrar, como se não tivéssemos nada mais que isso. Até tu, Almodóvar?
Transexualidade
A transexualidade é, seguramente, o tema mais pungente do filme. Habilmente, o diretor – homossexual assumido – faz o espectador sentir o drama de quem está preso a um corpo (a pele) cujo gênero é oposto à sua sexualidade interior. A história do personagem é impactante. Parece surreal, até nos darmos conta de que convivemos com milhares, milhões de pessoas com o mesmo e dilacerante conflito.
O ambiente de alta tecnologia e assepsia da casa do médico, onde também está instalada sua clínica, é um “admirável mundo novo” controlado por câmeras big brothers, no qual o corpo humano pode ser manipulado geneticamente, fornecendo poderes de semideus a um homem que trabalha clandestinamente, à margem da supervisão ética de sua profissão. Pode também ser um símbolo do controle que a sociedade tenta fazer em relação à sexualidade que foge do padrão. Nada disso, contudo, é suficiente para mudar a identidade de uma pessoa determinada a resistir e preservá-la porque, como diz a professora de ioga, “tem algo lá dentro de nós, onde só nós chegamos”. Contrapondo-se à mansão tecnológica, o pequeno brechó de roupas mostra um mundo que ainda guarda sentimentos humanos. Nem tudo está perdido, quer dizer Almodóvar?
Outras leituras da intrincada história são possíveis: todos os personagens masculinos estupram algo, a ética ou alguém; e abandonam seus filhos, criados por mulheres fortes, estas bem ao feitio de quase todas que habitam os filmes do diretor. Nas três cenas de sexo, as personagens femininas sofrem com dores físicas ou aversão ao homem. E assim vai... Assista, faça sua leitura, mas não perca o filme, nos cinemas, se ainda der tempo, ou em DVD ou BD (Blu-ray Disc).
* Editora-chefe da revista Ser Médico.
Almodóvar: ame-o ou odeie-o
Almodóvar, 62 anos, nasceu na pequena cidade espanhola de Calzada de Calatrava. Aos 19 anos, mudou-se para Madri, onde trabalhou como funcionário de uma companhia telefônica, cartunista, ator de teatro e cantor de uma banda de rock, da qual participava travestido. Por falta de recursos financeiros, nunca estudou cinema, mas foi o primeiro espanhol a ganhar um Oscar. Autodidata, entrou para valer no cinema espanhol com o filme Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón (1980).
Personagens que fogem do óbvio, presença feminina marcante, histórias den-
sas e, ao mesmo tempo, engraçadas ou inusitadas, impregnam a maioria de seus filmes. Incensado por uns e criticado por outros, Almodóvar é da turma do “ame-o ou odeie-o”. Entre os que o amam, está Angelina Jolie. A atriz interrompeu uma entrevista que o diretor concedia no Teatro Egípcio, em Hollywood, em 15 de janeiro último, para pedir – diante dos surpresos jornalistas – um papel para ela em um filme dele. Almodóvar – que concorria ao prêmio de melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro, com A pele que habito – elogiou-a e prometeu trabalhar com ela em um de seus próximos projetos.
Além de A pele que habito, o cineasta espanhol dirigiu, entre muitos outros: Matador (1986), A lei do desejo (1987), Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988), Ata-me (1990), Kika (1993), A flor do meu segredo (1995), Tudo sobre minha mãe (1999), Fale com ela (2002), A má educação (2004) e Abraços partidos (2009).