CAPA
PÁGINA 1
Nesta edição
PÁGINAS 4,5
Cartas e notas
PÁGINAS 6, 7, 8, 9, 10 E 11
Entrevista
PÁGINAS 12 E 13
Crônica
PÁGINAS 14, 15, 16, 17
História
18, 19, 20, 21
Panorama
PÁGINAS 22, 23, 24 E 25
Em foco
PÁGINAS 26,27,28 E 29
Vanguarda
PÁGINAS 30 E 31
Tecnologia
PÁGINAS 32 E 33
Medicina no mundo
PÁGINAS 34, 35 E 36
Opinião
PÁGINA 37
Resenha
PÁGINAS 38 E 39
Hobby
PÁGINAS 40,41,42 E 43
Turismo
PÁGINAS 44,45,46 E 47
Agenda cultural
PÁGINA 48
Fotopoesia
GALERIA DE FOTOS
PÁGINAS 14, 15, 16, 17
História
Uma pandemia controlada pela ciência
Por Vanessa Truda, Rachel Juliana Sachetti, Simone Tenore, Paulo Roberto Abrão Ferreira e Concília Ortona*
A síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) foi descrita pela primeira vez em 5 de junho de 1981, nos Estados Unidos, quando o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em Atlanta, publicou artigo em seu relatório semanal de morbidade e mortalidade, descrevendo casos de pneumonia por Pneumocystis carinii (hoje Pneumocystis jirovecii) – infecção até então rara – entre cinco homens homossexuais saudáveis de Los Angeles. No mesmo dia, Alvin Friedman-Kien, dermatologista de Nova York, informou ao CDC sobre vários casos de Sarcoma de Kaposi, incomum entre jovens, associados ao enfraquecimento do sistema imunológico, em Nova York e na Califórnia. Em uma semana, esta agência do governo recebeu relatos semelhantes dos quatro cantos do país.
Foi o princípio de uma epidemia sem precedentes, que matou entre 32 e 44 milhões de pessoas no mundo até 2018, segundo a Joint United Nations Program on HIV/
AIDS (Unaids). Previsões até mais sombrias haviam sido esboçadas até o pico de mortes, em 2004, quando o índice caiu em 56%.
Foram fundamentais para o avanço no diagnóstico a identificação do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), em 1983; da molécula CD4 como receptor primário usado pelo HIV para atingir os linfócitos T, suas principais células- alvo, em 1984; além da introdução do teste sorológico ELISA e do sequenciamento do genoma viral, em 1985.
Assim, as primeiras tentativas de tratamento se iniciaram em 1987, com a aprovação da zidovudina (AZT). Apesar das expectativas de prolongar a sobrevida, sua eficácia clínica não se mostrou tão promissora – embora a droga tenha se mostrado essencial quando inserida, em 1994, na estratégia de prevenção da transmissão vertical.
1: Gravura intitulada Ignorance = Fear, Silince = Death (Ignorância = Medo, Silêncio =
Morte), na qual o artista Keith Haring buscou conscientizar a sociedade sobre a aids, nos primeiros anos da epidemia
Uma das grandes “revoluções” em tratamentos correspondeu à chegada da terapia antirretroviral combinada de alta potência (TARV), cujo uso clínico iniciou-se em 1996, reduzindo, em três anos, as taxas de mortalidade, diagnósticos definidores da aids e hospitalizações nos países industrializados, na ordem de 60 a 80%.
ANTIRRETROVIRAIS GENÉRICOS
No Brasil, a TARV passou a ser distribuída pelo SUS, em 1996, a pacientes que preenchiam critérios estipulados. Em 2001, o País começou a produzir e distribuir antirretrovirais genéricos, depois de a Comissão de Direitos Humanos da ONU definir o acesso como “questão de direitos humanos”, levando o País a pressionar multinacionais detentoras das patentes das drogas.
A partir de 2013, o tratamento tornou-se indicado para todos os pacientes com HIV, em
um programa governamental reconhecido mundialmente como um dos mais abrangentes e avançados.
Em relação à prevenção, medidas voltadas a situações e a populações de risco foram adotadas em 2010 e 2017, respectivamente, a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) e Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) ao HIV. No entanto, a tão esperada vacina ainda está em fase de pesquisa, em estudos em várias partes do mundo.
Com a disponibilização de uma terapia tolerável e eficaz, a infecção pelo HIV deixou de ser uma doença terminal, com um prognóstico reservado, para tornar-se uma doença crônica. Apesar da ausência de cura, pacientes em uso adequado dos antirretrovirais e sem outras comorbidades significativas podem apresentar uma expectativa de vida semelhante à da população em geral.
Por outro lado, o aumento das comorbidades associadas à idade e à evolução mais precoce nas doenças degenerativas nesta população tornaram as doenças cardíacas, neoplásicas, hepáticas, renais, ósseas e o declínio neurocognitivo uma preocupação mais frequente.
Mesmo com os avanços na ampliação ao acesso às medicações, uma parcela significativa é diagnosticada tardiamente. De acordo com relatório publicado pela Unaids em 2017, 15% da população infectada desconhecem seu estado sorológico e 53% ainda não atingiram a supressão viral.
Dados do Ministério da Saúde apontam que, até 2015, cerca de 20% dos pacientes ainda eram diagnosticados com CD4 abaixo de 200 células/mm³, ou seja, uma apresentação tardia da doença.
Foto do projeto The Ward, de Gideon Mendel, iniciado em 1993, que buscou retratar o cotidiano de pacientes com aids nas enfermarias do Middlesex Hospital, em Londres
EQUÍVOCOS E DISCRIMINAÇÃO
Equívocos históricos quanto à transmissão casual do vírus – abraço, picada de
mosquito – foram protagonizados mesmo por especialistas no início da epidemia,
perdidos em meio a uma avalanche de pacientes e à falta de informações sobre a etiologia e o agente causador do que depois se provou ser uma síndrome.
A desinformação levou ao estigma das “populações de risco”, como usuários de
drogas injetáveis, hemofílicos e, em especial, homossexuais masculinos – a primeira
manchete do The New York Times destacou o termo GRID (sigla em inglês para Deficiência Imunológica Relacionada aos Gays) –, e, em decorrência, ao atraso do reconhecimento das mulheres e seus bebês como também expostos ao vírus.
Ainda que, no princípio, a epidemia tenha atingido de maneira majoritária os homossexuais, porta-vozes antes improváveis da causa da aids, como o adolescente
hemofílico Ryan White, de Indiana, EUA – que denunciou discriminação na escola a uma Corte do governo – e o astro do basquete heterossexual Earvin “Magic” Johnson, deixaram claro que o vírus e suas consequências podem atingir qualquer pessoa.
POLÊMICA SOBRE “PATERNIDADE”
Uma das disputas mais acirradas da pesquisa médica envolveu a "paternidade” do vírus HIV entre o ítalo-americano Robert Gallo, do Institute of Human Virology (IHV), em Maryland, EUA, e o francês Luc Montagnier, do Institut Pasteur.
Desde o início dos anos 1980, ambos sabiam que o causador era um retrovírus.
Em princípio, o feito foi atribuído exclusivamente a Robert Gallo. Porém, logo depois a
equipe de Montagnier declarou, de forma efusiva, que a descoberta partira de amostra
encaminhada a Gallo, pelo Institut Pasteur. A troca de amostras é algo frequente em
pesquisa.
Para solucionar o dilema, que ganhou dimensões governamentais envolvendo França
e EUA, o meio científico passou a aceitar que Montagnier, Gallo, e seus respectivos grupos contribuíram na identificação do HIV: o primeiro isolou o vírus antes, enquanto o segundo demonstrou ser aquele o causador da aids, por meio de técnica já desenvolvida no IHV.
Curiosamente, o Comitê do Nobel parece não ter concordado com tal versão, já que, em 2008, laureou Luc Montagnier e sua colaboradora Françoise Barré-Sinoussi com o prêmio em Medicina ou Fisiologia. Apesar de suas grandes e reconhecidas contribuições para esse universo, Gallo foi ignorado.
BATER CEDO E FORTE
O biólogo molecular de origem chinesa David Ho, que estudou Medicina em Harvard,
passou décadas pesquisando a patogênese da infecção pelo HIV – em particular, a
dinâmica da replicação do vírus – até identificar que uma combinação de drogas novas e poderosas, logo no início da infecção, poderia retardar a imunodepressão.
Tal enfoque de tratamento mudou o paradigma da pandemia em 1995, ao ser divulgado em editorial da New England Journal of Medicine (NEJM), sob o título "Time to Hit HIV, Early and Hard" dando origem à Terapia antirretroviral combinada (TARV). Entre outras honrarias, o feito tornou Ho “o Homem do Ano” de 1996, da revista Time.
*Vanessa Truda é médica residente do 3º ano de Infectologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Rachel Juliana Sachetti é médica infectologista, mestre em Ciências da Saúde pela Unifesp e médica assistente no Hospital Santa Marcelina
Simone Tenore é médica infectologista, doutora em Ciências da Saúde pela USP e médica da Unifesp e do CRT DST/aids
Paulo Roberto Abrão Ferreira é professor adjunto da Disciplina de Infectologia da Escola Paulista de Medicina (Unifesp)
Concília Ortona é jornalista do Cremesp
1 Theasis/Istock