CAPA
PÁGINA 1
Nesta edição
PÁGINAS 5, 6, 7,8 E 9
Entrevista
PÁGINAS 10 E 11
Crônica
PÁGINAS 12, 13, 14, 15, 16 E 17
Dossiê: Psiquiatria/ História
PÁGINAS 18, 19, 20 E 21
Dossiê: Psiquiatria/ Estatísticas
PÁGINAS 22, 23, 24 E 25
Dossiê: Psiquiatria/ Transtornos do Humor
PÁGINAS 26, 27 E 28
Dossiê: Psiquiatria/ Suicídio
PÁGINAS 29, 30 E 31
Dossiê: Psiquiatria/ Vanguarda
PÁGINAS 32 E 33
Tecnologia - Telemedicina
PÁGINAS 34 E 35
Medicina no mundo
PÁGINAS 36, 37 E 38
Hobby
PÁGINAS 39, 40, 41 E 42
Agenda Cultural
PÁGINAS 43, 44, 45 E 46
Gourmet
PÁGINA 47
Resenha
PÁGINA 48
Fotopoesia
GALERIA DE FOTOS
PÁGINAS 10 E 11
Crônica
Não somos preparados para isso...
Em junho de 2018, aos 29 anos e cursando o primeiro ano de Residência Médica, recebi a
minha primeira alta hospitalar. Aprendi a dar tantas altas; mas, recebê-las? Não somos preparados para isso...
Desde que eu soube do diagnóstico de um tumor cerebral, minha vida virou do avesso. A médica que tanto sonhei ser, de repente, tornou-se paciente. Difícil aceitar o que o destino estava impondo. O conhecimento que temos nos traz segurança, mas, por sabermos o que estamos enfrentando, ele também pode trazer o medo e a pior das angústias. Foi inevitável pensar em todas as possíveis sequelas e complicações do meu tratamento. Além das possíveis dificuldades para exercer a profissão novamente.
Como médica, já havia dado inúmeras notícias tristes aos familiares, algo que é sempre difícil e pouco ensinado nos livros. Mesmo assim, muitas vezes esquecemos o impacto que elas têm sobre as pessoas. E, conforme adquiria experiência, acreditava que já
sabia ou, pelo menos, que já aprendera algo. Contudo, quando estive do outro lado, percebi que nunca tive a real dimensão do que isso representava para um paciente. Desta vez, a notícia da doença grave era para mim. E quem está pronto para recebê-la? Com certeza, eu não estava. A vida não prepara ninguém para impactos tão súbitos.
Na faculdade, tive várias aulas sobre as fases do luto. E, agora, era a vida mostrando-me cada uma delas. Minha negação havia começado nos primeiros sintomas, os quais não quis enxergar. Era estresse da rotina de médico, pensava. Mas a dor de caráter compressivo passou a me acompanhar todos os dias. As noites mal dormidas se multiplicavam. Eu não queria investigar o que o corpo insistia em dizer. Seria o medo do incerto, a falta de tempo ou apenas aquela velha ideia de achar que nada nos acontecerá? Difícil saber, fácil julgar. Neguei quando fiz a ressonância, senti raiva quando li o laudo, barganhei com o tempo e deprimi quando soube. Tinha um tumor cerebral e precisava operar o quanto antes, disse o neurocirurgião. Apesar de pequeno, ele era expansivo, comprometendo o hemisfério cerebelar esquerdo, causando compressão e deslocamento da medula.
Por que, após tantos anos de estudos e de escolhas para chegar até aqui? Por que justo agora que eu iniciava a tão desejada Residência? Perdi muitas lágrimas, minhas noites tornaram-se dias e a minha rotina se fez ausente. O mundo se tornou cinzento.
Com o tempo, fui percebendo que a minha revolta não resolveria a situação e que a espiritualidade, muitas vezes deixada em segundo plano por nós, médicos, era fundamental. Não era o momento para questionamentos, e sim para reflexões e de muita fé. Era preciso acreditar Nele. Reagir.
Aos poucos, com a mente clara e serena após orações, abraços e apoio de entes queridos, fui conseguindo atingir a paz de que tanto precisava. Passei a ver a situação como mais um obstáculo, entre tantos outros, que eu já havia superado.
A vida me ensinou que os desafios sempre foram as minhas melhores batalhas e que foi nelas que aprendi aquilo que faz de mim o que sou hoje. E, assim, aos poucos, a medicina foi me ajudando a vencer as primeiras etapas. Analgésicos, antibióticos e reabilitação, que antes usava para tratar os pacientes, paulatinamente me permitiam voltar para a minha rotina de residente. Hoje, estou completamente recuperada e levo dessa vivência um grande crescimento pessoal e profissional. Ter estado na posição de paciente, com um diagnóstico grave, influencia todas as minhas ações. Saí dessa experiência voltando a fazer o que melhor sei: ser médica!
*Camila Ribeiro Perucchi formou-se em Medicina pela Universidade de Mogi
das Cruzes (UMC ) e é residente de Clínica Médica no Hospital de Força Aérea
de São Paulo (HFASP).
Ilustração: Marina Ravagnani Ciongoli, oftalmologista formada pela FMUS P
e preceptora de Oftalmologia do HC.