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Bebidas alcoólicas: consumo e propaganda
Os tentáculos da indústria do álcool na América Latina
Pesquisadores da Opas alertam que a globalização, o patrocínio de pesquisas, o marketing e as iniciativas de responsabilidade corporativa das empresas de bebidas alcoólicas podem influenciar o estabelecimento de políticas do álcool no continente
A efetivação do controle eficaz do consumo de álcool na América Latina tem a probabilidade de falhar se a influência e as ações da indústria de bebidas alcoólicas não puderem ser controladas pelos formuladores dessas políticas nos países desta região. A conclusão é do estudo Táticas e práticas da indústria do álcool na América Latina: o que os formuladores de políticas podem fazer?, dos pesquisadores Ce Zhang e Maristella Monteiro, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), publicado na International Journal of Alcohol and Drug Research.
A pesquisa foca, principalmente, os grandes países, como Brasil e México, em decorrência de suas populações numerosas, que os tornam mercados lucrativos para aquela indústria. O relatório baseou-se em uma revisão da literatura internacional, de sites de notícias e de comunicações informais com representantes dos ministérios da Saúde e com pesquisadores latino-americanos, e em estudos anuais e sites patrocinados ou mantidos pelas principais empresas do setor que operam na América Latina.
Segundo os pesquisadores, a globalização e a consolidação da indústria, o patrocínio de pesquisas, o marketing e as iniciativas de responsabilidade corporativa são as principais atividades dessas empresas, que podem influenciar o estabelecimento de políticas do álcool no continente.
A pesquisa sobre a publicidade do álcool, práticas de responsabilidade social corporativa e a influência da indústria na formulação de políticas deve ser prioridade nos mercados emergentes em geral, porém particularmente na América Latina e no Caribe”, asseguram os pesquisadores.
O consumo do álcool, lembram, é o principal fator de risco de mortalidade e co-morbidade na maioria dos países do continente latino-americano. Com a adoção da Estratégia Global para Reduzir o Uso Nocivo do Álcool, pela Assembleia Mundial da Saúde, em 2010, e de um plano de ação regional pelo Conselho Diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em 2011, esses países estão tentando desenvolver e implantar políticas de controle do álcool. Contudo, barreiras a essas iniciativas podem ser apresentadas por produtores, distribuidores e vendedores do setor, “que são influentes e não têm nenhum desejo de ver uma redução no consumo de álcool, preferindo um mercado insuficientemente regulamentado, no qual possam maximizar seus lucros”, adverte o estudo. As restrições de faixa etária à bebida nos países latino-americanos são, por exemplo, pouquíssimo aplicadas. A maioria deles “possui políticas de taxação ultrapassadas e controles muito limitados sobre a disponibilidade e publicidade de bebidas alcoólicas”, enfatizam os autores do relatório.
A América Latina, segundo eles, é considerada um mercado emergente para a indústria do álcool devido ao seu desenvolvimento econômico e à alta proporção de jovens consumidores em potencial. Os adolescentes e os jovens representam 18% da população, e há uma significativa proporção de abstêmios acima de 15 anos (49,2%, variando de 17,5% na Argentina a 73,8% na Nicarágua), acrescentam.
Globalização
A globalização e a consolidação da indústria do álcool levaram ao predomínio de um pequeno grupo de grandes empresas, salientam Ce Zhang e Maristella Monteiro. As cervejarias globais, por exemplo, controlam a maior parte do mercado em 12 países da América Latina, representando mais de 90% das vendas de cerveja em oito desses países. Essas empresas entraram nos mercados da América Latina comprando novas fábricas, operando como parceiros na distribuição, criando joint ventures, comprando ações em empresas existentes, e adquirindo e comercializando produtos locais baratos e bem-sucedidos juntamente com marcas internacionais mais caras. Uma tática mais agressiva é simplesmente comprar a concorrente local.
Essas empresas “são os principais anunciantes, promovendo as marcas de bebidas alcoólicas por meio de publicidade, patrocínio e marketing direto. Entre as ações se incluem descontos e brindes promocionais com o tema da bebida alcoólica. O patrocínio de eventos esportivos, musicais e culturais é outra estratégia comum, que leva à interação da marca dos produtos alcoólicos com o público-alvo, observa o estudo, lembrando que “as empresas de bebidas alcoólicas investem milhões de dólares para patrocinar grandes eventos esportivos internacionais, como a Copa do Mundo de Futebol”.
O crescente consumo de álcool na região é objeto de preocupação. A indústria é, muitas vezes, oportunista no direcionamento de campanhas de marketing a grupos vulneráveis, principalmente os jovens. Citando o psiquiatra brasileiro Adilson Laranjeira, o estudo salienta que, “no Brasil, a ampla publicidade do álcool na televisão atinge milhões de crianças e tem contribuído para o aumento de 10% no consumo de álcool a cada ano”.
Em uma iniciativa recente, a Ambev, em associação com outras indústrias privadas no Brasil, incentivou os clientes a apoiar grandes times de futebol, comprando um cartão fidelidade do time, que podia ser utilizado para obter descontos em produtos e serviços, incluindo uma redução de 5 a 10% sobre o preço da cerveja em vários supermercados.
Redes sociais
As redes sociais, como YouTube, Facebook e Twitter, são comumente utilizadas para alcançar os mais jovens. O uso dessas tecnologias na propaganda do álcool revelou-se particularmente eficaz em países latino-americanos, possibilitando às empresas globais de bebidas alcoólicas atingir uma vasta audiência, buscando o crescimento e a lucratividade, aponta o relatório.
A autorregulamentação criada pela indústria do álcool para controlar os excessos na publicidade e no marketing, visando evitar medidas legislativas, não trazem, segundo o estudo, sanções claras relacionadas à sua violação.
Outra estratégia dessa indústria, em resposta à clara necessidade de evidências de pesquisas para subsidiar suas políticas, é patrocinar estudos e pesquisas em várias partes do mundo, inclusive na América Latina. “A Cerveceros Latinoamericanos, um conglomerado de produtores de cerveja, iniciou um grande estudo epidemiológico relacionado a padrões de consumo etílico em nove países latino-americanos, coordenado por pesquisadores da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales da Costa Rica”, afirmam Ce Zhang e Maristella Monteiro. Esse patrocínio cria um conflito de interesses, asseguram. “Nenhum dos estudos foi analisado por uma comissão de ética, como exigido por lei em diversos dos países participantes, ao se planejar pesquisas com humanos. Além disso, o uso de um critério não padronizado para definir a gravidade dos problemas com o álcool é enganoso”.
Mas as empresas de bebidas alcóolicas vão além. Elas têm tentado envolver até mesmo as agências internacionais de saúde pública em suas “avaliações”. “Por exemplo, os produtores de cerveja, vinho e destilados se associaram a empresas globais de pesquisa, como a GlobeScan e a Euromonitor International, e solicitaram entrevistas com representantes da Opas, a fim de contribuir com suas opiniões e planos”, advertem os dois pesquisadores.
Os tentáculos dessa indústria também chegaram ao patrocínio de organizações de aspectos sociais, operando globalmente ou em mercados emergentes, as quais podem implementar estudos e pesquisas, que permitem às empresas ampliar sua influência nas políticas e sua respeitabilidade. Uma dessas organizações é o Centro Internacional para Políticas do Álcool (Icap), uma think tank norte-americana patrocinada pelo marketing do álcool, que busca promover a colaboração do governo e dessa indústria em questões ligadas ao consumo e abuso de bebidas alcóolicas. A influência do Icap origina-se em sua “alta produção de conferências científicas, livros, relatórios e documentos informativos, os quais, de modo geral, defendem políticas para controle do álcool focados em padrões individuais de alcoolismo, no lugar de medidas baseadas na população, como taxação e restrições ao acesso ao álcool, defendidas por pesquisadores em saúde pública e pela OMS”, afirmam os pesquisadores.
O Icap tem estado, ressalta o relatório, em contato direto com autoridades estatais no México para assumir responsabilidades na educação e treinamento na aplicação de leis relacionadas a dirigir sob influência do álcool, e a áreas que extrapolam a atuação da indústria do álcool, como produtores, distribuidores, vendedores ou anunciantes dessas bebidas.
A indústria do álcool utiliza a Responsabilidade Social Corporativa (RSC) “para mostrar ao público uma face responsável, ao mesmo tempo em que propicia outro método para promover os interesses das empresas de bebidas alcoólicas e possibilitar-lhes acesso a mercados e influência em decisões de políticas em âmbito nacional”, esclarece o relatório.
“Monitorar a atividade da indústria do álcool na América Latina é de considerável importância, pois esses países possuem um grande mercado de álcool, mas ainda muito pouco regulamentado. Os preços, a disponibilidade e a publicidade do álcool são insuficientemente controlados, criando o ambiente perfeito para investimentos e promoção do consumo do álcool pela indústria. A globalização e consolidação da indústria, as práticas de mar¬keting, publicidade e patrocínio, as iniciativas de pesquisas e as práticas de RSC combinam-se para construir uma imagem de modelo de ‘bom negócio’, que não leva a saúde pública em conta”, observam Ce Zhang e Maristella Monteiro.
Essa indústria – reforçam os pesquisadores – “tem cada vez mais condições de influenciar a implementação de políticas de álcool em âmbitos local e nacional, ao promover suas próprias iniciativas em vez de políticas baseadas na população, fugindo da legislação nacional ou fazendo lobby contra iniciativas eficazes baseadas nas evidências disponíveis”. No futuro, acrescentam, as discussões sobre essas políticas deverão ser conduzidas com a consciência do papel, táticas e objetivos da indústria em cada país. “A fim de proteger a saúde pública, é necessário construir a capacidade de vários setores governamentais e organizações da sociedade civil para reconhecer e tratar dos conflitos de interesses em torno das políticas do álcool, usando regras apropriadas de comprometimento e de negociação”, concluem os autores do relatório, ressaltando que suas opiniões nesse estudo não representam as da Opas.