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Renato Azevedo Júnior - Presidente do Cremesp


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CRÔNICA (págs.10 a 11)
Luis Fernando Veríssimo*


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Dimensão étnico-racial nos estudos sobre saúde


DEBATE (págs.16 a 21)
Hospitais devem receber investimentos externos?


CONJUNTURA (págs.22 a25)
Dilemas éticos no atendimento a presidiários


GIRAMUNDO (págs.26 a 27)
Curiosidades de ciência e tecnologia, história e atualidades


PONTO COM (págs.28 a 29)
Informações do mundo digital


EM FOCO (págs.30 a 32)
Paixão pelo futebol e pela Medicina


CULTURA (págs.33 a 35)
Loucura e Literatura


MAIS CULTURA (págs.36 a 37)
Mostra no MAC USP apresenta o artista como autor e editor


HOBBY (págs.38 a 41)
Médico fotógrafo


TURISMO (págs.42 a 46)
Carcassone: cidadela medieval


LIVRO DE CABECEIRA (pág.47)
Henri Beyle


FOTOPOESIA (pág.48)
Mário Quintana


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Edição 64 - Julho/Agosto/Setembro de 2013

DEBATE (págs.16 a 21)

Hospitais devem receber investimentos externos?

Capital estrangeiro em hospitais: sim ou não?


A legislação brasileira proíbe a participação de capital estrangeiro em hospitais, mas a permite em outros setores da atividade médica, como planos de saúde, cujo exemplo recente foi a compra da Amil pela norte-americana United. Essa participação é benéfica ao país, aos usuários e aos médicos? É preciso modificar as leis? Os entraves são ideológicos ou necessários? Qual a relação desse capital com a saúde pública? Para debater essas questões, a Ser Médico convidou o presidente da Unimed do Brasil e médico nefrologista, Eudes Aquino; e o presidente da Associação Paulista de Medicina e médico otorrinolaringologista, Florisval Meinão; para um debate mediado pelo conselheiro e gestor Nacime Salomão Mansur.

 


Da esq. p/a dir.: Florisval Meinão, Nacime Salomão Mansur e Eudes Aquino



Nacime Mansur: A discussão sobre o capital estrangeiro na saúde, no Brasil, é ideológica ou ela é realmente necessária?

Eudes Aquino: Há vários componentes. Diria até que ultrapassam esses que você citou. É ideológica, política, e tem, também, importantes componentes legais. A Constituição brasileira proíbe a presença de capital estrangeiro em hospitais e clínicas no país. Só podem recebê-lo por meio de doação ou intercâmbio de pesquisa, entre outros casos similares, o que não é verdadeiro para o restante da cadeia de atividades médicas, como, por exemplo, planos de saúde e insumos para a atividade médica – principalmente na área de medicamentos. Grande parte da indústria farmacêutica é constituída por capital estrangeiro e esta participação aumenta progressivamente. Em relação aos hospitais, há duas correntes no país: uma que defende, sob várias justificativas; e outra que condena. Aí está o cerne da questão. Existem dois discursos. Por exemplo, se o hospital faz parte da rede de uma determinada operadora, e não é um instrumento preponderante como atividade dessa empresa, é tolerado. Porém, se é um plano de saúde, com 10 mil clientes, três hospitais e 90% de sua movimentação financeira oriunda deles, não pode, pois o que prepondera são essas instituições hospitalares. A Lei 9.656 dá essa flexibilidade, de forma indireta.


Nacime: O senhor se refere, creio, ao artigo 199 da Constituição, que veta explicitamente a presença desse capital. Contudo, muitas pessoas sentem essa necessidade hoje. O sistema supletivo e o público precisam do capital estrangeiro para se expandir? Precisamos superar esse marco legislativo?

Florisval Meinão: Acho que essa fase de disputa ideológica foi ultrapassada, pois há um fato consumado: o capital estrangeiro já ingressou no país. A Constituição de 88 foi elaborada quando o Brasil reiniciava o modelo democrático e visou preservar o capital nacional. Mas, ao longo do tempo, foram surgindo várias leis que permitiram a entrada de recursos do Exterior em diversos ramos de atividade, tanto na saúde como em outras áreas, por exemplo, a de telecomunicações. A Lei 9.656 abriu essa perspectiva na saúde suplementar e, hoje, muitas operadoras se utilizam do mercado de ações como fonte de financiamento. No entanto, a legislação vigente ainda não permite a entrada desses investimentos em hospitais, sob a alegação de que estes atuam diretamente na assistência à saúde da população. Isso tem provocado algumas reações por parte de representantes de instituições hospitalares privadas, que afirmam serem necessários novos investimentos no setor, devido à reconhecida falta de leitos. De fato, existe dificuldade de acesso ao sistema de saúde, tanto público quanto privado, sendo marcante a deficiência em leitos hospitalares e unidades de emergência, com grande prejuízo à sociedade. A entrada de caixa externo pode ser uma solução, porém são necessárias regras bem definidas, pois trata-se de atividade estratégica, que exigirá um grande controle por parte da sociedade.


Nacime: O capital estrangeiro traz consigo um potencial de expansão e inovação tecnológica para o sistema supletivo? É possível, por meio da concorrência, diminuir custos para o paciente? E o médico continuará a ter uma relação conflituosa com o sistema supletivo?

 

Eudes: Nesse caso, cabe aquele aforismo popular, segundo o qual não tem almoço de graça. O grande capital que vem para o Brasil tem duas origens: de empresas que já são da área de saúde no exterior – como é o caso da United, que comprou a Amil – ou é de grupos privados que se capitalizam para aplicar em locais de oportunidade. O Brasil passou a ter importância internacional. Até 2010, já era a sétima economia do planeta e o quinto maior comprador de insumos médicos do mundo. Como a economia lá fora está cambaleante e o rendimento do dinheiro está baixo, eles buscam alternativas e acabam investindo no segmento de saúde em outros países. Se é um fundo de investidores, vem para cá, compra uma empresa, implanta sua filosofia de trabalho – geralmente com algum executivo brasileiro gerenciando – e, em média, de dois a três anos, atinge seus objetivos e leva o dinheiro embora. Acho que o país não precisa desse tipo de investimento e deve fechar as portas a ele. Se é um concorrente que se associa a alguém aqui no Brasil, e se comporta na condição de minoritário, em termos de sociedade, não vejo nenhum inconveniente. Mas algumas desculpas utilizadas para justificar a vinda desse capital não procedem. Por exemplo, fala-se que é interessante porque o número de leitos hospitalares está abaixo do necessário. Concordo, mas é porque permitiram que o serviço público fechasse 40 mil deles. A medicina privada ganhou de quatro a cinco milhões de clientes da classe C, que mudaram de patamar socioeconômico e buscaram comprar um plano de saúde. Isso implica ter mais leitos para atender esse pessoal. O que falta no país é planejamento. Se reformássemos, por exemplo, os hospitais universitários estaduais e federais já teríamos uma quantidade maior de leitos. Grande parte dos hospitais do país pertence à rede das Santas Casas. Se a juntássemos à das Unimeds, a segunda maior rede de hospitais privados do país – hoje são 111 – resolveríamos o problema, por 10 anos, pelo menos. Mas ninguém quer discutir isso. Então vêm as supostas soluções: trazer capital e gente de fora. Cada negócio com essas empresas deve ser avaliado. Pode ser bem-intencionado, mas pode ser também apenas para multiplicar o dinheiro.


Nacime: Dr. Florisval, tendo em vista a colocação do dr. Eudes sobre dois tipos de investimento e que o país possui, na prática, dois sistemas – público e privado –, o senhor acha que, talvez, dentro da perspectiva das Parcerias Público-Privadas (PPPs), visando melhorar o aspecto gerencial do sistema público e, portanto, a qualidade do exercício do profissional médico, há necessidade ou pertinência do capital estrangeiro?


Florisval: Este é um novo ponto chave nesta discussão. Pois o que se percebe, nitidamente, é um movimento do governo federal no sentido de estimular o crescimento da saúde suplementar. A vinda do capital estrangeiro, evidentemente, injeta recursos e permite a ampliação desse setor. A própria melhoria do poder aquisitivo de algumas classes sociais, que passam a almejar um plano de saúde, muito contribui para essa política. Se por um lado isso pode ser legítimo, pelas deficiências já conhecidas do SUS, por outro lado, é uma política perversa, pois a maioria dos brasileiros que depende do sistema público continua enfrentando grande dificuldade no acesso, mesmo que seja para a atenção básica. Nosso grande problema é o financiamento insuficiente do SUS. Sabe-se que o Brasil é um dos países que menos investe em Saúde. O governo se isenta, cada vez mais, da responsabilidade de oferecer atendimento à Saúde para a população. Sob esse ponto de vista, a vinda do capital estrangeiro não muda em nada o sistema público.

Nacime: Dr. Eudes, o senhor concorda com a avaliação do dr. Florisval sobre a relação do capital com a saúde pública?


Eudes: Lamentavelmente, um discurso que já virou refrão é o de que falta dinheiro para a saúde pública. Mas não é só isso. O problema é a gestão. É necessário fazer projeções e planejamento. Somos um país de dimensões continentais e cada região tem sua realidade de saúde. Contudo, ninguém quer discutir isso com sobriedade. Quem está ligado à medicina pública acha ótimo quando a imprensa ataca a medicina privada. Não estou aqui para defender ninguém, mas a medicina privada vem sendo atacada para servir de pano de fundo nessa discussão sobre as mazelas da medicina pública.


Nacime: A solução estaria em mudanças estruturais na Saúde? Como os senhores veem essa questão?


Florisval: A solução possível não é tão simples, pois os recursos são insuficientes. Por mais eficiente que seja a gestão, o cobertor é muito curto. Concordo que os recursos existentes poderiam ser melhor utilizados, mas é preciso sempre se ter em conta a diferença de investimento per capita entre um cidadão que tem plano de saúde e outro que depende do serviço público. É muito grande. Tendo-se como parâmetro o percentual do PIB, nota-se uma grande diferença entre o Brasil e a maioria dos demais países. Se o Estado não entender que é preciso colocar mais recursos na Saúde, as dificuldades estarão sempre presentes. As recentes manifestações populares nos dizem exatamente isso, que temos um Estado caro, com uma máquina ineficiente e que não nos traz o retorno esperado. A questão da saúde pública se encaixa nesse cenário. No entanto, uma política de fortalecimento da atenção básica, dotando o setor de infraestrutura adequada e valorização dos profissionais de saúde, com certeza é o melhor caminho para se alcançar melhores resultados.


Nacime: Dr. Eudes, o senhor disse que a rentabilidade dos planos de saúde e das operadoras está muito baixa. Nesse caso, como se remuneraria o capital estrangeiro?


Eudes: A rentabilidade é uma coisa, a atividade da operadora de saúde é outra. O desempenho do médico, nas duas situações, é outro aspecto. Portanto, o problema é multifatorial. As cooperativas, a autogestão, a medicina de grupo e as seguradoras são os quatro segmentos da medicina privada. São totalmente diferentes entre si. As cooperativas, teoricamente são isentas de tributos, pois é uma atividade sem fins lucrativos. Mas nós pagamos todos os impostos, não temos nenhum atenuante do governo e, em algumas situações, pagamos até mais impostos do que a medicina de grupo, por exemplo. Isso com uma diferença: temos nossos números permanentemente abertos. Pagando impostos, no mesmo nível da medicina mercantil, a média de sobras ao final dos exercícios não passa de 3%. Isso é irrisório para o nível de recursos que esse mundo da medicina privada movimenta. Não sobra para se investir. Há um conjunto de problemas e o capital externo não vai mudar isso, pois busca lucro e não se contentará com 2% ou 3%. A United é o maior plano de saúde americano. Ela tem mais ou menos 40 milhões de associados e comprou 90% da Amil, incluindo seus 22 hospitais. Se as empresas estrangeiras fossem investir apenas em hospitais, acharia complicado. Outro aspecto, é que os investidores estrangeiros não conhecem o perfil do médico brasileiro, nem o comportamento da nossa população, diferentes dos da maioria dos países, principalmente dos Estados Unidos. A medicina norte-americana está um caos. Passei 17 dias lá, há pouco. Fui a vários locais. A questão é complexa. Não tenho receio de concorrência internacional, como cooperativista. Se empresas estrangeiras quiserem vir para somar, já que o governo não facilita linhas de crédito com juros condizentes para nos expandirmos, que venham, mas sempre na condição de minoritários.


Nacime: Dr. Florisval, estamos vendo que o capital estrangeiro acrescenta muito pouco, particularmente para o médico e para seu exercício profissional. Isso significa que o médico continuará sofrendo, seja no sistema público, seja no privado, com a falta de remuneração adequada, locais de trabalho sem condições de um exercício pleno, gestão etc.


Florisval: No início do processo de entrada do capital estrangeiro na saúde suplementar, criou-se uma grande discussão no meio médico. A preocupação era com a modificação das relações de trabalho entre o médico e as empresas. Tradicionalmente, em nosso meio, a forma de remuneração se dá por procedimento. No entanto, em outros países utilizam-se outras formas como, por exemplo, o pagamento por performance etc. Sempre que se tentou implantar esses modelos alternativos em nosso meio, houve prejuízo para o médico, pois os critérios utilizados para estabelecer os valores sempre nos foram desfavoráveis. Por outro lado, as empresas com capital exclusivamente nacional também remuneram muito mal o médico, conforme podemos constatar pela defasagem nos reajustes aplicados aos honorários profissionais nos últimos anos, quando comparados à inflação no mesmo período. Essa é a principal causa dos conflitos permanentes entre médicos e operadoras de planos de saúde. As entidades médicas estarão sempre atentas às eventuais modificações surgidas em decorrência da entrada de capital estrangeiro e deverão buscar, cada vez mais, organizar a classe no sentido de defender seu interesse e, principalmente, sua autonomia no exercício profissional.


Nacime: Lamento ter de interromper um debate tão produtivo e sério, mas temos de passar às considerações finais.


Eudes: Agradeço a oportunidade de poder dar um depoimento pessoal. Essas opiniões são minhas, antes do médico e do dirigente, como cidadão brasileiro. Obrigado.


Florisval: Também agradeço. Acredito que é importante debater o sistema de saúde e a presença do capital estrangeiro. Mas o mais importante é o fortalecimento do SUS, e isso não depende do capital estrangeiro e, sim, de ações políticas em nosso país e em nossa sociedade, para exigir que a saúde seja efetivamente respeitada e o Sistema Único de Saúde completamente implantado. O capital estrangeiro não contribui nesse aspecto.

 



 


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