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CAPA

PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Renato Azevedo Júnior - presidente do Cremesp


ENTREVISTA (pág. 4)
Mia Couto, biólogo e jornalista moçambicano


CRÔNICA (pág. 8)
Homenagem a Moacyr Scliar, médico e escritor, falecido em janeiro deste ano


SINTONIA (pág. 10)
Surge um novo conceito de doença e de saúde


CONJUNTURA (pág. 13)
Identificação possível


SAÚDE NO MUNDO (pág. 14)
Saúde Global versus Saúde Internacional


DEBATE (pág. 17)
A qualidade das embalagens comercializadas no país


GIRAMUNDO (págs. 22/23)
Curiosidades da ciência e tecnologia, da história e da atualidade


PONTO COM (pág. 24)
Acompanhe as novidades que agitam o mundo digital


EM FOCO (pág. 26)
Transtornos afetivos na infância


LIVRO DE CABECEIRA (pág. 29)
Confira a indicação de leitura de Caio Rosenthal*


CULTURA (pág. 30)
José Marques Filho*


GOURMET (pág. 36)
Uma receita especial de Debora Handfas Gejer e Geni Worcman Beznos


TURISMO (pág. 40)
A "suíça brasileira" bem ali, na Serra da Mantiqueira...


CARTAS & NOTAS (pág. 47)
Diretores e conselheiros da terceira gestão 2008-2013


POESIA( pág. 48)
Mia Couto em “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”


GALERIA DE FOTOS


Edição 55 - Abril/Maio/Junho de 2011

ENTREVISTA (pág. 4)

Mia Couto, biólogo e jornalista moçambicano

“O mundo de hoje se inventa por via de alguma falsidade”

Além de escritor e poeta consagrado, o moçambicano Mia Couto é biólogo e jornalista atuante na causa ambiental. Ele também estudou medicina, mas abandonou o curso para se alistar na Frente de Libertação Nacional (FLN) – movimento criado em 1962, de luta pela independência de Moçambique de Portugal. A escrita de Couto agrega humor sutil a situações do mundo mágico e sobrenatural da cultura africana, além de crítica à civilização. Sua literatura tem relações estilísticas com a escrita de Guimarães Rosa e Manoel de Barros (veja box) – de narrativa inventiva na qual cria palavras como desexistir e desconsigo. Seu romance Terra Sonâmbula foi considerado um dos 12 melhores livros do continente africano do século 20 por um juri especial da Feira do Livro de Zimbawe. Nesta entrevista concedida por e-mail, ele fala do seu imaginário, suas referências na literatura brasileira e um pouco mais.

As perguntas foram elaboradas por Ivolethe Duarte, editora da Ser Médico, e pelo pediatra Eduardo Goldenstein – assíduo leitor de Couto que escreveu uma resenha sobre o escritor na edição nº 46 desta publicação. Confira a entrevista a seguir:

Ser Médico: De onde vem seu imaginário e o profundo conhecimento do mítico na cultura africana?


Mia Couto:
Sou filho de emigrantes portugueses que chegaram a Moçambique no princípio da década de 1950. Eu e os meus irmãos nascemos numa cidade pequena, instalada num pântano que dificultou o ordenamento do território urbano em obediência à lógica colonial e à hierarquia social e racial de uma sociedade colonizada.


Essa briga da natureza contra a história resultou numa cidade caótica, desobediente e que aproximava aquilo que a ordem política pretendia afastar e estratificar. Sempre tive vizinhos negros, sempre morei junto de bairros pobres e desde cedo aprendi a falar chissena, uma das línguas de origem africana. A minha infância se mulatizou, no sentido de dar mais que um chão. E isso me habilitou para a viagem, para a travessia. Essa viagem é vital numa nação composta de várias nações, com vários povos e mais de 20 línguas bantus.

SM: Como o realismo mágico se constituiu como estilo literário em sua escrita? É algo natural ou intencional?
MC:
O realismo mágico é uma categoria inventada por não escritores. Não são apenas as nações do Terceiro Mundo que vivem realidades que não podem ser reduzidas à leitura que o racionalismo europeu faz do mundo. A realidade é sempre demasiado complexa e multidimensional. Seja no Brasil, seja em Moçambique, seja na Suécia ou em Tóquio.

SM: Quem são as suas referências na literatura? Nesse sentido, qual é a importância de Guimarães Rosa?
MC:
Muitas das referências localizam-se na poesia. E muita dessa poesia vem do Brasil: Drummond de Andrade, João Cabral, Adélia Prado, Hilda Hilst, Manoel de Barros. João Guimarães Rosa é o mestre maior, aquele que me ensinou o que não pode nunca ser aprendido. Tomei conta da sua prosa como um encantamento que me sugeria caminhos de caligrafar a oralidade e de devolver o encantamento poético por eliminação da fronteira entre prosa e verso.

SM: O fato de você e Guimarães Rosa terem estudado medicina é apenas uma coincidência?
MC:
A passagem pela medicina foi fugaz, mas a minha entrega ao sonho de ser médico era um sonho de menino. Eu queria curar o mundo. E isso não tem profissão. Acredito que seja importante, no meu caso pelo menos foi, não ser apenas escritor. Na vida de Guimarães isso terá sido importante: deixar de ser escritor, em momentos vitais. Mas não existe paralelo. A vida de ninguém tem esse paralelo com outras vidas. Nós inventamos coincidências e proximidades. Somos, todos nós, hábeis ficcionistas.

SM: As escritoras brasileiras Adélia Prado e Clarice Lispector são citadas por você com admiração. É possível dizer que a presença de mulheres na literatura de língua portuguesa foi mais prodigiosa no Brasil?
MC:
Talvez. Mas, também aqui, há que ter cuidado em estabelecer paralelos e comparações. Portugal tem mulheres prodigiosas escrevendo: Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, alguns dos versos de Florbela Espanca são eternos. Mas eu creio que as vozes brasileiras nos tocaram mais por razões que não eram apenas literárias. Havia, no caso de Moçambique e do Brasil, uma procura comum de roturas de língua (de uma língua dentro da língua) e de estilo para afirmação de uma nacionalidade. Haviam culturas que se mestiçavam e que necessitavam de buscar denominadores comuns.

SM: Que tipo de reflexão faz sobre o mundo contemporâneo, cada vez mais tecnológico? Nesse novo mundo, qual é o papel da fantasia da vida, do mítico, dos grandes heróis, do irreal e do imaginário?
MC:
O mundo de hoje se inventa por via de alguma falsidade. Diz-se que somos uma aldeia partilhada e tudo ocorre na ilusão da simultaneidade. Mas o que nos chega dos outros é aquilo que é produzido por uma máquina restrita, uma máquina produtora não de notícias ou de imagens, mas do próprio mundo. Eu vejo como Moçambique surge na televisão do mundo e fico aterrado com a ideia deformada que os outros possuem da minha terra. O Brasil que nos chega é uma deformação, uma coleção saturada de estereótipos. Confunde-se essa imagem com conhecimento. As pessoas acreditam ter ideias mas, em muitos casos, para deixar de ter pensamento, pelo menos um pensamento próprio e criativo.

SM: Como se trata de publicação para médicos, uma pergunta é inevitável: por que escolheu a medicina e desistiu do curso no meio do caminho?
MC:
Eu queria ser psiquiatra. A loucura era um assunto que me apaixonava. Matriculei-me e fiz dois anos e meio de estudos de medicina para me tornar médico psiquiatra. Passava grande parte do meu tempo visitando os hospitais psiquiátricos e falando com médicos. A visitação a esse mundo foi uma enorme desilusão: uma concepção quase prisional dominava esse ramo da medicina. Só depois surgiram concepções mais abertas e modernas. Por outro lado, o meu país atravessava um momento crucial de luta pela independência nacional. Eu ofereci-me para ser membro da Frente de Libertação Nacional. Essa entrega me desviou da universidade. E quando regressei aos estudos universitários, eu matriculei-me em Biologia, pois entendi que a profissão de biólogo é mais condescendente com o tempo e com uma certa vagabundagem existencial.

A prosa de Mia Couto

“... Eu era nova, dezanovinha. Quando ele me dirigiu a palavra, nesse primeiríssimo dia, dei conta que até então nunca eu tinha falado com ninguém. O que tinha feito era comerciar palavra em negoceio de sentimento.” (Conto A despedideira, do livro O Fio das Miçangas)

“...E todo o silêncio é música em estado de gravidez. (...) Quem viveu pregado a um só chão não sabe sonhar com outros lugares.” (Antes do nascer do Mundo)

 “Não é o destino que conta mas o caminho. (...) Não nos vamos habituando mesmo ao nosso próprio desfecho? A gente vai chegando à morte como um rio desencorpa no mar: uma parte está nascendo e, simultânea, a outra já se assombra no sem-fim. (...) Então, as letras, uma por uma, se vão convertendo em grãos de areia e, aos poucos, todos meus escritos se vão transformando em páginas de terra.” (Terra sonâmbula)



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