CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Encontro nacional em Brasília fortaleceu as reivindicações da categoria
ENTREVISTA (pág. 4)
Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octávio Frias de Oliveira
MEIO AMBIENTE (pág. 9)
Encontro discutiu consumo de alimentos geneticamente modificados
CRÔNICA (pág. 13)
Tufik Bauab - Presidente da Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
SAÚDE NO MUNDO (pág. 14)
Tebni Saavedra descreve o sistema público de saúde do Chile
DEBATE (pág. 14)
A autonomia dos médicos e a prescrição racional de medicamentos
HISTÓRIA (pág.23)
A evolução dos estudos voltados para a saúde pós-período renascentista
GIRAMUNDO (pág. 26)
Curiosidades da ciência, da história e da atualidade
PONTO COM (pág. 28)
Canal de atualização com as novidades do mundo digital
SINTONIA (pág. 30)
Antonio Francisco Lisboa: maior escultor barroco mineiro do final do século XVIII
MÉDICOS EM FOCO (pág. 36)
Uma análise da temática médica, quando foco principal das séries televisivas
HOBBY (pág. 40)
Guerrini, o colecionador de conchas, já contabiliza mais de 10 mil peças
TURISMO (pág. 42)
Agende suas próximas férias para o interior paulista e aproveite o contato com a natureza
CABECEIRA (pág. 47)
Sugestão de leitura da conselheira Ieda Therezinha Verreschi*
FOTOPOESIA (pág. 48)
Cantares - Antônio Machado
GALERIA DE FOTOS
SAÚDE NO MUNDO (pág. 14)
Tebni Saavedra descreve o sistema público de saúde do Chile
Otra cosa es con guitarra
O atual governo chileno, que enquanto oposição costumava apenas criticar, tem em mãos o desafio de administrar o insuficiente sistema público de saúde
Detalhe do Hospital Regional de Rancagua, no Chile
Um velho ditado chileno diz: “otra cosa es con guitarra” (outra coisa é com violão), expressão muito utilizada naquele país e que significa que uma coisa é falar simplesmente; e outra é quando se está administrando a situação. E é precisamente isso o que devem estar pensando as novas autoridades do Ministério da Saúde chileno, após a posse do presidente eleito Sebastián Piñera e as mudanças na gestão do Poder Executivo.
A morte de duas pessoas nos corredores de um hospital público em Santiago, enquanto aguardavam por cirurgia, em dois dias seguidos, foi uma verdadeira estocada no discurso da oposição, acostumada a levantar críticas. Assim, explicar o inexplicável começa a ser uma tarefa, pelo menos, ingrata.
O Chile tem um sistema misto de saúde, sendo que 76% da população é coberta pelo serviço público e pouco mais de 20%, pelo privado. O restante da população é atendido nos hospitais e serviços especiais das Forças Armadas e nas Mutuais de Seguridade, entre outros.
Hospital Regional de Rancagua: serviço público é subvencionado por 7% dos salários dos contribuintes
O sistema público conta com um seguro conhecido como Fondo Nacional de Salud (Fonasa) e o privado, com as Instituciones de Salud Previsional (Isapres). Para aderir ao Fonasa, os chilenos devem pagar 7% de seu salário mensal. No caso das Isapres, se os 7% não são suficientes para assinar um bom plano de saúde, deve-se pagar uma porcentagem adicional. E é precisamente neste aspecto que as diferenças entre o público e o privado são gritantes.
De acordo com a política do Estado, “todas as pessoas têm um papel prioritário na manutenção de sua saúde e devem contribuir com seu financiamento. O Estado assegura o acesso de atenção às pessoas de menores recursos financeiros e aos indigentes. Os chilenos, assim, podem escolher assistência entre os setores público e privado. A atenção de saúde deve ser integral, universal, contínua, oportuna, eficaz, comunitária, de livre eleição, humanitária e personalizada”.
Esse é o discurso, a política a seguir, o ideal. A realidade, entretanto, mostra uma maioria dependente dos recursos do Ministério de Saúde que, ano após ano, parecem mais escassos. O pior, entretanto, acontece na hora da alta hospitalar. Para os chilenos de menores recursos, que utilizam o seguro do Fonasa, o sistema financia apenas uma pequena parte da fatura decorrente do atendimento. Já os mais favorecidos, os que utilizam o sistema privado das Isapres, geralmente têm suas contas cobertas em 90% do total. A única diferença aparece com o transcorrer dos anos. Enquanto o Fonasa não aumenta a cotização de 7% às pessoas de maior idade, as Isapres promovem acréscimos nos contratos pelo natural aparecimento de doenças decorrentes da velhice. E não é raro serem expulsos do sistema.
Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a recomendação é de que haja cinco médicos a cada 1 mil habitantes. Na Europa, a relação é de 8,08 médicos a cada 1 mil habitantes. No Chile há, aproximadamente, 1, 5 médico a cada 1 mil habitantes, considerando uma população de 17 milhões de pessoas e 28 mil médicos.
Há 19 faculdades de Medicina no Chile, sendo 18 delas ligadas à Asociación Chilena de Facultades de Medicina (Asofamech), excluindo a Facultad de Medicina da Universidad del Mar. O salário do médico no serviço público, considerando sua formação, é muito baixo. Flutua entre US$ 2 mil e US$ 5 mil, dependendo da quantidade de anos de atividade, conforme divulgado no portal do governo. Isso faz com que os especialistas, por exemplo, procurem oportunidades de trabalho nas clínicas privadas, em que as Isapres e as instituições privadas pagam mais.
Um estudo realizado pelo Ministério de Saúde e pelo Banco Mundial (Brechas de oferta y demanda de médicos especialistas en Chile) explicitou que no sistema público há um déficit de 1.597 médicos especialistas de jornada completa de 44 horas. O mesmo documento assinala que faltam, pelo menos, 107 anestesistas, 62 médicos internos, 79 traumatologistas, 66 psiquiatras, 27 oftalmologistas, 33 especialistas em imagenologia, 144 pediatras e neonatologistas, 91 obstetras, 51 neurocirurgiões e 327 cirurgiões gerais, entre muitos outros.
O Hospital Regional, um dos mais antigos do país, está localizado no município de Roncagua, a 87 km da capital chilena
Para o doutor Pablo Rodríguez, presidente do Colégio Médico do Chile (instituição que reúne e regula eticamente o trabalho dos médicos do país), “é indispensável gerar uma política de recursos humanos, dada a grave crise existente na saúde pública pela carência de especialistas médicos nos hospitais. Por isso, se queremos avançar com as listas de espera, temos que contar com um plano nacional de formação de especialistas para cumprir com esse objetivo”. Isto porque ninguém estranha no país que uma simples operação de apendicite, por exemplo, deva esperar meses até se efetivar.
Em resumo, quem tem dinheiro, tem saúde no Chile, por meio das Isapres conveniadas com clínicas privadas. Caso contrário, resta um serviço público eficiente, mas insuficiente para 76% da população. E pior, só se tem acesso à saúde se o cidadão contribuir com 7% do salário. Os indigentes? Essa é outra história…
(*) Tebni Pino Saavedra é jornalista e secretário-geral do Colegio de Periodistas de Chile.