CAPA
PONTO DE PARTIDA (SM pág. 1)
Novo movimento deve unir médicos e sociedade contra o descaso e a falta de prioridade com as quais a Saúde vem sendo tratada
ESPECIAL 1 (SM pág. 4)
Ser Médico comemora 10 anos em grande estilo. Seu conteúdo diversificado agrada a todos, médicos inclusive...
ESPECIAL 2 (SM pág. 5)
Ser Médico 10 anos: acompanhe trechos de artigos memoráveis da revista
CRÔNICA (SM pág. 12)
Nesta edição comemorativa, uma crônica bem-humorada e inteligente de Moacyr Scliar. É preciso dizer mais?!?
SINTONIA (SM pág. 14)
Congresso Brasileiro de Bioética: acompanhe síntese da palestra da cientista política Adela Cortina
CONJUNTURA (SM pág. 18)
Médicos e indústria farmacêutica: a falta de limites para conflitos de interesse
MEIO AMBIENTE (SM pág. 21)
Parece sonho, mas é realidade. A Reserva Ecológica Mamirauá existe. Mesmo.
DEBATE (SM pág. 25)
AVC: um RX da situação epidemiológica e condutas no atendimento do paciente, no Brasil
COM A PALAVRA (SM pág. 32)
Humanização da Medicina. Idéia atual? Não senhor! Já estava bem presente no passado...
GOURMET (SM pág. 39)
Prepare sua mesa. Você não vai conseguir resistir a esta receita...
TURISMO (SM pág. 42)
Ah... esse deserto você precisa conhecer. É ali, no Maranhão! Acompanhe o texto, veja as fotos!
LIVRO DE CABECEIRA (SM pág. 47)
Às margens do Sena, junto a Maison De La Radio... você já ouviu esse bordão?
POESIA (SM pág. 48)
Toda a emoção de um trecho de Entre o que Vejo e o que Digo, do poeta mexicano Octavio Paz
GALERIA DE FOTOS
SINTONIA (SM pág. 14)
Congresso Brasileiro de Bioética: acompanhe síntese da palestra da cientista política Adela Cortina
O cidadão necessário e possível
Por Adela Cortina*
Professora de Ética e Filosofia Política da Universidade de Valência, a espanhola Adela Cortina defende a idéia de cidadania transnacional e de interdependência entre Estados como modelo de transformação social. Veja a seguir um resumo da palestra apresentada pela professora durante o Congresso Brasileiro de Bioética, realizado em setembro em São Paulo.
A cidadania transformou-se em um dos conceitos fundamentais do século 21, com grandes reflexos sobre a vida cotidiana e profissional. Ainda hoje as pessoas insistem em pensar que unicamente a política é o instrumento de transformação do mundo. Mas se os cidadãos, que são as pessoas que fazem a vida cotidiana, não assumirem seu protagonismo nesse processo, não haverá maneira de criar um mundo diferente do que existe – que não só é possível, como é necessário. E o que é necessário, é possível e tem de se fazer realidade. Um outro mundo é necessário porque esse em que vivemos hoje não está à altura dos seres humanos.
Para criar esse mundo necessário é preciso o concurso do poder político em todos os níveis; do poder econômico – ao que não se deve rejeitar ou menosprezar, mas implicar nessa tarefa – e, muito especialmente, do poder dos cidadãos.
Os antigos conceitos de polites (cidadão em grego) e de civis (cidadão em latim), colocaram-se novamente como central no âmbito filosófico a partir dos anos 90 do século 20. Isso porque nos anos 70 do mesmo século, a noção de justiça – fundamental para nossas sociedades – vinculou-se à idéia de direitos dos cidadãos. A justiça é idealizada, sobretudo, em relação à comunidade política composta por uma grande diversidade de etnias e raças. A comunidade política não é natural; e, sim, criada pela vontade dos que dela formam parte e por ela são ajustados. Sua criação se estabelece por contrato – e alguma razão existe para que as pessoas queiram ser cidadãs de uma comunidade, posto que não é apenas um “mundo” da raça e da etnia, mas criado pela convenção de diferentes povos e culturas para proteger os direitos de todos que dela formam parte.
Para mudar o mundo também é necessário cultivar o sentimento de pertencer a algum lugar – caso contrário vamos arrefecer. O movimento comunitarista que surgiu na década de 80 do século 20, tentou esclarecer esse sentimento com o seguinte entendimento: “aquele que se sente parte de um lugar tem de ser responsável pelo seu entorno”. Assim, um passo importante dado nos anos 90 foi a ampliação do conceito de cidadania como uma síntese de justiça e de pertencer a algum lugar. Cidadão é aquele que pertence a algum lugar e, precisamente por isso, é responsável por que sua comunidade seja justa. Não importa que minha mãe seja a mulher mais formosa e que nossa terra seja a mais bela do mundo; é importante que nossa mãe seja uma boa pessoa e que nossa comunidade política seja justa. Ao ser colocado em movimento, o conceito de cidadania como uma síntese de justiça e de sentido de pertencer a algum lugar torna-se uma autêntica bomba-relógio como motor de uma importante transformação social.
Imigração e cidadania
Em tempos de globalização, a imigração cresce espantosamente – não apenas em países desenvolvidos mas também naqueles em desenvolvimento –,
dando origem a um grande problema. Quais são as provas de pertencer a algum lugar para os trabalhadores estrangeiros e para os imigrantes legais ou ilegais? Como é possível pertencer a uma comunidade política e exercer a cidadania de forma plena? Para isso, será necessário descobrir se existem cidadãos efetivos, mesmo que não sejam cidadãos oficiais. Essa é, hoje, uma grande questão da sociedade e do desenvolvimento que precisa ser definida. Além disso, estão nascendo uniões internacionais – como a européia – na qual se pergunta quem é esse cidadão de uma comunidade política e de uma outra transnacional ao mesmo tempo?
Teremos de discutir modelos de uma cidadania cosmopolita – como a de cidadãos do mundo. Nossa idéia de cidadania não se detém aos limites de uma fronteira. Não há fronteiras para os seres humanos. Uma cidadania cosmopolita é uma idéia, moral ou política, que pode depois se consubstanciar em um
autêntico estado mundial? Ou de federações de povoados que vão se articulando por medidas legais e de justiça? Que tipo de ética e de valores são necessários transmitir às novas gerações numa sociedade pluralista? A resposta hoje – e não encontrei nenhuma melhor – é a de uma ética dos cidadãos, uma ética cívica cada vez mais trasnacional. A ética dos cidadãos é aquela que une todos os membros de uma comunidade política, ainda que tenham diferentes éticas de máximos e propostas distintas de felicidade ou de boa vida. Neste ponto é importante diferenciar o justo do bom. A justiça é tarefa dos cidadãos; a felicidade é um projeto do homem. Éticas de máximos se ocupam da felicidade, enquanto as éticas cívicas, da justiça. Com esta noção de cidadania social, com direitos de primeira e de segunda geração, criamos compromissos mundiais. Porém, ela não se realizou, possivelmente, em nenhum país da terra em nenhum momento. A humanidade está sob mínimos fundamentais.
Os estados nacionais tornam-se cada vez menores e a política deve considerar dois novos protagonistas no contexto da globalização: o poder econômico e o poder cidadão. Não é possível pensar que as empresas são simplesmente amorais ou imorais, porque todo o ideal humano é necessariamente moral. Continuamente, o poder da cidadania está se desfazendo, quando deveria ser central – porque são os cidadãos os afetados por todas as atividades, sejam elas do poder político ou do econômico. E os afetados são os que deveriam ter a voz, a palavra e o protagonismo do processo.
Temos que universalizar a noção de cidadania social, nos comprometer com ela e satisfazê-la em todos os níveis. Essa cidadania social aglutina três conceitos centrais: autonomia, igualdade e solidariedade. E a idéia de igualdade, uma vez desencadeada na história, é um autêntico motor de transformação social que vai reclamando igualdade em distintos âmbitos.
Não é possível dizer que todos são igualmente cidadãos na palavra e depois constatar que há uma enorme desigualdade no âmbito político, econômico, cultural e religioso. Realizar a idéia de igualdade é fundamental. E, por essa razão, tenho especial interesse no conceito de autonomia; porque ele se cria pelos que são iguais em solidariedade, visto que não somos independentes, mas interdependentes porque precisamos da força um do outro. O ideal da interdependência deveria ser mais exaltado pelos países do mundo.
O verdadeiramente inteligente é viver do apoio mútuo e interdependente, no qual cooperamos porque todos queremos viver e escrever a nossa história uns com os outros. Essa cidadania ativa e interdependente é uma necessidade de primeira ordem, sem a qual não poderemos mudar o mundo.
*Adela Cortina, professora de Ética e Filosofia Política da Universidade de Valência, Espanha. Fundadora e diretora da Fundación Étnor, para a Ética em Negócios e Organizações, voltada à difusão e desenvolvimento da Ética Econômica. Autora de dezenas de livros como Por una ética del consumo: la ciudadanía del consumidor en un mundo global (2002) e Ciudadanos del mundo: hacia una teoria de la ciudadanía (1997), entre outros.
Importante: paulatinamente, o site de Bioética do Cremesp, está disponibilizando a íntegra das conferências do Congresso Brasileiro de Bioética.