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Nesta edição, Giovanni Guido Cerri fala sobre sua experiência à frente da FMUSP


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Polêmico, o apelo ao consumo infantil desenfreado na análise de uma especialista no tema...


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Aposentadoria: depois de anos de (árduo) trabalho, chega - enfim - a dificuldade maior...


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Saúde Suplementar: especialistas no assunto avaliam as relações de mercado e a assistência à saúde


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Você conhece Alcméon de Crotona? Acompanhe a história do avô da Medicina, por José Marques Filho


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A restauração do centro da cidade devolve aos paulistanos a nostalgia dos bons tempos...


ESPECIAL CENTRO DE SÃO PAULO 2
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ESPECIAL CENTRO DE SÃO PAULO 3
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Prepare-se para realizar uma viagem de sonho pelo continente australiano


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POESIA
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Edição 39 - Abril/Maio/Junho de 2007

SINTONIA

Polêmico, o apelo ao consumo infantil desenfreado na análise de uma especialista no tema...


Consumo Infantil


No mundo “perfeito” das apresentadoras de programas para crianças a felicidade é decorrência do consumo

Inês Vitorino*

O imenso potencial de consumo do público infantil brasileiro começou a ser descoberto pelo mercado publicitário na década de 80, período em que o segmento infanto-juvenil no país correspondia a 41% da população brasileira, o equivalente à população da França ou Itália. A descoberta impulsionou a formação de um sistema de comunicação, com destaque para a ampliação de programas dirigidos à criança na televisão brasileira. Tal fato, infelizmente, não seguiria os referenciais de qualidade já estabelecidos em programas infantis com caráter educativo como os da TV Cultura por exemplo.

Desde então, o mercado de produtos dirigido à criança se amplia e diversifica. Anunciantes e publicitários entendem que, além do vigor desse filão no país, a comunicação com a criança inicia um importante processo de fidelização a marcas. Esse “segmento” também se mostra capaz de influenciar as compras de toda a família, tornando-se objeto de especial atenção na construção de apelos publicitários. Os criativos identificam muito bem as vantagens do uso da imagem infantil na publicidade. A criança tende a ouvir outra criança; tem forte apelo emocional junto aos diferentes tipos de público; tem grande empatia com os anunciantes e contribui para o rejuvenescimento de marcas. O resultado de tudo isso é a presença cada vez maior de crianças em anúncios e, em especial, nos diversos gêneros televisivos.

Elas se tornam alvo do que autores como Kincheloe e Steinberg chamam de “produção corporativa da infância”, que transforma instituições comerciais em “professores do novo milênio”, oferecendo a elas um “currículo cultural” que, sob o manto do entretenimento, alude aos conceitos e práticas mais essenciais ao ser humano, tornando-se referenciais para os processos de formação da identidade e a interiorização de valores. Nas palavras dos estudiosos, interesses comerciais ditam a cultura infantil da mídia; a margem de lucro é muito importante para que se preocupem com o que concerne ao bem-estar da criança.

A proliferação de programas infantis, transformados em vitrines de produtos diversos, passou a ser a tônica desse mercado no Brasil. A relação entre programação infantil e lucro tornou-se, pouco a pouco, uma “obviedade” nacional. Apesar das críticas de especialistas no campo da psicologia infantil, da pedagogia e da comunicação, entre outros, transformou-se em modelo hegemônico na oferta de “produtos de entretenimento” voltados para o público infantil. Entre 1987 e 1997, por exemplo, a “rainha dos baixinhos” vendeu 10 milhões de bonecas, 15 milhões de pares de sandália e tinha 97.320 produtos licenciados em seu nome (segundo matéria da revista Veja em 1997). Essa mesma fórmula de sucesso comercial continua a se firmar ainda hoje com a “nova” versão da “TV Xuxa”.

Nesse modelo que proliferou na televisão brasileira nas últimas décadas, as apresentadoras e os desenhos tornam-se carros-chefe para vendas milionárias. Em testemunhais, elas declaram seu amor às crianças, enquanto fazem fortes apelos de consumo de marcas licenciadas em seus nomes, promovendo uma vasta rede de produtos que incluem alimentos, brinquedos, vestuário, eletrônicos e muitos outros. O encanto dos desenhos é transformado, nos intervalos da programação, em novos apelos de consumo. Para quem tem o produto, “beijim-beijim”, para quem não tem, “tchau, tchau”. Assim, milhões de crianças brasileiras que não dispõem de um alto poder aquisitivo são expurgadas deste território de “afetos”.

No mundo “perfeito” da publicidade, a noção de que a felicidade é uma decorrência necessária e direta do consumo é amplamente difundida às crianças. No mundo da felicidade, só entra quem tem o passaporte do produto adquirido. Quem não lembra de slogans do tipo “Eu tenho, você não tem” anunciado para o país inteiro? Quem “não tem” está fadado à exclusão não só do mundo do consumo, mas, na versão publicitária, da felicidade. Assim, ensina-se às crianças que só há um caminho a trilhar: o do consumo.

Aliás, nesse mundo “perfeito”, caso ocorram problemas, eles podem ser magicamente resolvidos pela compra de produtos. A aquisição de um celular, alimento ou perfume, entre tantos outros itens de consumo, propicia a “você” (leia-se as milhões de pessoas que vêem o comercial), o corpo desejado, uma família afetuosa, amigos maravilhosos, o(a) namorado(a) dos sonhos, fantásticas aventuras, diversão, sucesso e fama. Afinal, trata-se de um mundo em que todos valem pelo que têm. “Você é o que você veste”, anuncia a publicidade de roupas.

Predomina na publicidade brasileira as imagens de uma infância protegida, sendo excluída de suas comunicações as imagens que possam pôr em risco a harmonia e a felicidade que caracterizam o gênero. As crianças são apresentadas cercadas de carinho, atenção e cuidados, identificadas como membros de uma família feliz em que ela é, freqüentemente, o centro das atenções. Além de feliz, ela é, na maioria das vezes, branca, fisicamente perfeita e pertence às classes A e B.

É importante, contudo, perceber que cada vez que se escolhe uma determinada imagem em tais comunicações, uma outra é preterida. Nesse sentido, é preciso estar alerta para questionar quais imagens infantis estão sendo mostradas e quais estão sendo rejeitadas e por quê. Certamente a questão não pode ser considerada tendo como referência apenas a publicidade, mas a própria sociedade brasileira.

É importante lembrar, como postula Siegfried Schmidt, que na condição de artefatos, as imagens constituem indicadores sociais do modo como a sociedade vê e se relaciona com a infância. Por outro lado, essas imagens constituem também modelos para milhões de crianças, “publicizando” determinados referenciais de beleza, conduta, estilos de vida etc.

Na publicidade, crianças brancas e sorridentes e muito lindas despertam a atenção e afeto do público. O que, muitas vezes, não é percebido é que, ao se valorizar predominantemente este tipo de imagem, outras tão lindas, negras e mestiças, são preteridas. Ainda são raros os comerciais brasileiros em que a criança negra aparece como protagonista. Ela tem lugar apenas em situações de grupo que atestam a noção de diversidade.

No mundo do consumo por excelência, as imagens de crianças pobres não têm lugar. Aquelas que se afastam dos padrões medianos de estatura, peso etc. são evitadas como referenciais positivos – e muitas vezes apresentadas como motivo de deboche. Para não falar das crianças portadoras de deficiência, que absolutamente não têm lugar no mundo “perfeito” da publicidade. Para esse conjunto cabe apenas a visibilidade ligada à marginalidade, ao feio e/ou ao cômico, o que certamente tem implicações na auto-estima. Estas permanecem invisíveis, a não ser nas propagandas institucionais de entidades ligadas às lutas pelos direitos da infância, em número, contudo, menor.

É nesse cenário que a sociedade brasileira está se organizando na perspectiva de defender os direitos de crianças e adolescentes e assegurar a proteção à infância, como prevê a Constituição. Uma iniciativa nessa direção é o Projeto de Lei Nº 5.921/2001, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que propõe a extinção da publicidade infantil no país. A proposta vem sendo discutida em várias audiências públicas. A relatora do referido projeto, deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), vem amadurecendo a proposta de regulamentação da publicidade brasileira, inspirando-se nas legislações internacionais mais avançadas sobre essa matéria.

Antecipando-se à votação da matéria que prevê a ação do Estado brasileiro na proteção da criança, o Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar) apresentou recentemente novas regras que trazem alguns aprimoramentos em relação ao texto anterior. Sem negar a importância dessa iniciativa, vale ressaltar que inúmeras impropriedades têm sido cometidas durante estas últimas décadas de existência do Conar, sem que a instituição fosse capaz de inibir tais iniciativas. Cabe ao Estado zelar pelos interesses da sociedade, e o Conar representa apenas um pequeno segmento desse imenso campo de interesses.

À medida que avançarmos no processo de regulamentação, podemos exigir que a publicidade não seja exibida durante os desenhos animados, como previsto na legislação da Itália; que não possa haver publicidade com bonecos, pessoas ou personagens conhecidos (exceto nas campanhas sobre boa alimentação, segurança, saúde etc.), como no Canadá; que a criança não possa ser ludibriada com a apresentação de efeitos especiais que insinuam que o produto faz mais do que pode, como na Inglaterra; que a exibição do tamanho do produto seja apresentado de modo claro à criança, a partir de algo que ela reconheça como parâmetro.

Quem sabe a sociedade brasileira, como a sueca, possa vir a fazer um plebiscito nacional para saber se aprova ou não a publicidade dirigida à criança até 12 anos e, como a Suécia, decidir democraticamente por sua extinção. Afinal, como prevê a Constituição Brasileira, a criança é prioridade nacional e é em seu legítimo interesse que a relação publicidade e consumo infantil deve ser avaliada.


*
Inês Vitorino é doutora em Ciências Sociais pela Unicamp, professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará, coordenadora do Grupo de Pesquisa da relação Infância, Adolescência e Mídia (GRIM- UFC), autora do livro Televisão, Publicidade e Infância.



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