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CAPA

PONTO DE PARTIDA
Editorial, com Isac Jorge Filho


ENTREVISTA
Nosso convidado é Diego Gracia, um dos papas da Bioética na Europa


CRÔNICA
Acompanhe texto bem-humorado de Tufik Bauab, médico radiologista


CONJUNTURA
Uma análise da história da hanseníase no país


BIOÉTICA
A situação sombria das mulheres indianas


MÉDICAS EM FOCO
Marilza Rudge e Mary Ângela Parpinelli contam suas trajetórias profissionais


DEBATE
A quebra das patentes dos medicamentos no Brasil


FOTOLEGENDA
Harold Pinter, prêmio Nobel de Literatura, e a política externa dos EUA


SINTONIA
Hospital expõe fotos tiradas por crianças e adolescentes internados


LIVRO DE CABECEIRA
Totalidade e Infinito - Emmanuel Lévinas


CULTURA
Faculdade de Medicina da Bahia: 1ª instituição do ensino superior do país


TURISMO
O crescimento - prazeroso - do turismo rural no Brasil


HOBBY DE MÉDICO
Quando a partitura se transforma em instrumento de trabalho...


POESIA
Entre o Sono e o Sonho - Fernando Pessoa


GALERIA DE FOTOS


Edição 34 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2006

MÉDICAS EM FOCO

Marilza Rudge e Mary Ângela Parpinelli contam suas trajetórias profissionais


Agora é que são elas
Ivolethe Duarte e Reinaldo Ayer

As mulheres atualmente ocupam o poder praticamente em todas as áreas. Um dos últimos redutos de predominância masculina, as reitorias e pró-reitorias das universidades foram tomadas por uma avalanche de mulheres num curtíssimo espaço de tempo. A escalada é natural. Essas mulheres que hoje chegaram ao topo da carreira estão na casa dos 50 anos e fazem parte da geração de saias que incrementou significativamente os bancos universitários na década de 60, período da grande revolução sexual.   

Para chegar tão longe, algumas enfrentaram preconceitos e quebraram tabus, tornando o mundo mais fácil para as gerações seguintes. Aos cargos de comando eram preteridas porque não tinham pulso ou autoridade para mandar. As mulheres médicas, por exemplo, até há pouco tempo enfrentavam a desconfiança dos pacientes. Havia uma tendência a preferir médicos homens. Nos serviços de saúde, com freqüência eram confundidas com enfermeiras.

Felizmente, as coisas estão mudando, e muito.  Aos poucos as mulheres  revertem o jogo, tranformando seus antigos defeitos em qualidades para exercer o poder, sem medo de impor um ritmo feminino ao trabalho. Vencidas as barreiras iniciais, ressalta-se da mulher uma maior capacidade de trabalhar em equipe, entre outras vantagens. Duas médicas que ocupam cargos públicos importantes falam de suas trajetórias profissionais e revelam um pouco a face do poder feminino. Detalhe: ambas sucedem a homens que fizeram uma gestão brilhante. Como se esse desafio fosse pouco, também é a primeira vez que os cargos são ocupados por mulheres.    

A médica Marilza Rudge é pró-reitora de pós-graduação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), sucedendo ao atual reitor da instituição. Ela conta que ingressou na Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, numa turma de 100 alunos em que apenas sete eram mulheres. “Mas nessa fase da carreira não havia segregação, éramos parte do grupo. Aliás, achávamos ótimo porque podíamos escolher o namorado que quiséssemos”, brinca.  


Mary Ângela Parpinelli também é a primeira mulher a dirigir o Caism (Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher), unidade de ensino, pesquisa e assistência da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Criado há 20 anos, o Caism é um projeto de vanguarda a prestar assistência multiprofissional à mulher e ao recém-nascido.  “Na minha época de estudante de Medicina, as mulheres representavam no máximo 30% da classe”, diz Mary.

Tanto Marilza quanto Mary especializaram-se em Ginecologia e Obstetrícia, na época um dos cursos mais procurados por mulheres, junto com Pediatria. Ambas fizeram a escolha pensando em atuar em consultório. “No acesso à especialidade havia, sim, alguma implicação de gênero. A  maioria de minhas colegas de turma se tornou pediatra ou ginecologista. Uma única fez cirurgia, mas também se tornou docente da Faculdade”, relembra Marilza. 

Mary recorda que o departamento de cirurgia da faculdade era predominantemente masculino. Para ela, essa tendência podia refletir uma  preferência do paciente. “Na época, as pacientes tinham um certo receio de mulheres médicas, principlamente se necessitassem de um procedimento cirúrgico. Quando era residente, lembro-me desse tipo de comportamento. As pacientes viam na mulher a possibilidade de ser, no máximo, uma enfermeira e chegavam a perguntar: ‘o médico não vai me atender?”’

Também foi nesse período da carreira que Marilza sentiu, “pela única vez” alguma restrição profissional pelo fato de ser mulher.  “Na residência de Ginecologia e Obstetrícia do hospital, éramos duas mulheres e três homens. Alí percebíamos algo que colocava um pouco as mulheres ‘no seu devido lugar’. No final do R-2,  sabíamos que só disponibilizariam três vagas para o R-3. Corria um boato de que elas seriam ocupadas pelos três homens, porque as mulheres engravidam, têm filhos, tiram licença e não podem dedicar o mesmo tempo ao serviço. Na mesma ocasião, o recém-criado Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Botucatu abriu cinco vagas. Com aquele ambiente na residência, acabei prestando o concurso. Pensando bem, acho que a hostilidade contra a mulher me direcionou para a carreira acadêmica, mas na época não tinha essa consciência”, analisa a pró-reitora.

Já Mary dividiu a carreira entre o consultório e a universidade por um tempo. “Desde o princípio queria fazer tocoginecologia em consultório. No início não pensei na carreira de docente. Mas, ao terminar a residência, concomitante ao consultório, iniciei atividades na universidade como contratada. Em 1992 prestei concurso para professora e fui deixando o consultório aos poucos, até abandoná-lo definitivamente em 1994”, relembra a diretora do Caism.

Antes disso, Mary enfrentou o que Marilza evitou no começo da carreira: ser médica e mãe ao mesmo tempo. ‘Meu filho mais velho nasceu quando estava em plena residência. Criei meus dois filhos com todas as dificuldades que uma mulher que trabalha pode ter. Minha família é do Paraná, em Campinas não tinha ninguém para me ajudar a cuidar das crianças. No começo da carreira já estava separada. Algumas vezes tive que levar meus filhos aos plantões por não ter com quem deixá-los”, revela Mary.  Para Marilza a primeira gestação veio um pouco depois de formada.“É uma fase complicada. Para minha sorte eu tive um grande suporte de meu parceiro.  Do contrário, como poderia dar plantões com três filhos pequenos?”.

O meio acadêmico, competitivo por excelência, apresenta algum obstáculo às mulheres?  “Como docente, não me lembro de sentir nenhuma restrição de gênero em relação ao meu crescimento profissional.”, diz Marilza. Ambas afirmam que a competitividade no meio universitário envolve  o desempenho e a produção, independente de ser homem ou mulher. “Mas vejo restrições de gênero em cargos administrativos, com colocações do tipo ‘mulher não tem  pulso, vai ter dificuldades para gerenciar’. Apesar disso, a Faculdade de Medicina da Unicamp hoje é  dirigida por uma mulher”, destaca Mary. “Aliás, também a primeira mulher a dirigir essa instituição de ensino”, completa. “Olhando para trás, a universidade é um espaço onde a mulher sempre encontrou igualdade de condições”, pondera Marilza. Mas ambas recordam que em todos os estágios da carreira acadêmica enfrentaram bancas predominantemente masculinas.

Uma vez investida de poder, muitas mulheres foram criticadas por agirem “pior que os homens”. É como se fosse naturalmente esperado que elas sejam mais sensíveis às causas humanas. Com tamanha expectativa de um lado e tantos tabus de outro, é possível comandar?  “Uma das características da mulher é conseguir fazer várias coisas ao mesmo tempo. É uma vantagem. O homem faz pontualmente uma coisa de cada vez. Essa característica foi imposta à vida da mulher, que teve de fazer comida, trocar o bebê, dar de mamar, ir ao supermercado, desenvolver sua atividade profissional e, à noite, ser uma boa amante”, destaca Marilza.

“Vivíamos numa sociedade patriarcal na qual a mulher desenvolvia mais o papel de cuidar do que o de mandar. Isso acabou levando a um perfil diferente no sentido de privilegiar o trabalho em equipe, embora atualmente existam muitos homens com essa caraterística. Por esse aspecto, a mulher pode estar mais moldada a assumir um cargo de gestão, principalmente no meio universitário”, considera a diretora do Caism. “Do perfil  feminino, destaca-se a capacidade de ouvir e acatar, além disso a mulher conta naturalmente com  a sensibilidade e a intuição, importantes para se obter resultados e  o cumprimento de metas nos dias atuais”, conclui.

Então, intuição feminina existe? “A intuição feminina é construída ao longo da vida. Talvez ela seja uma percepção de sinais e evidências, algo que mostra o caminho. Você considera os prós e contras, mas de repente há um insight que diz: ‘é nessa direção’. E aí você vai e não olha mais para aquele outro lado”, explica a pró-reitora. Perfeitamente esclarecido!

Ainda nas comparações de gênero, as entrevistadas consideram que a ética feminina é diferente da masculina. “A ética da mulher está direcionada ao cuidado e ao acolhimento”, diz a diretora do Caism. “Para mim, está relacionada ao que gostaria que acontecesse comigo quando tomo uma atitude com o próximo”, afirma a pró-reitora. À frente do cargo, tanto Marilza como Mary imprimem um ritmo feminino ao trabalho e querem mudar o estabelecido. “Considero meu trabalho como um filho e, para protegê-lo, coloco as asas sobre as pessoas e a instituição. Não quero que ninguém fale mal da Unesp, é preciso defendê-la”, afirma Marilza. “Por conta de estar distribuída em lugares distantes uns dos outros, a Unesp é uma instituição maior do que tem consciência. Em vez de nos considerarmos irmãos, competimos entre nós. Gostaria de mudar esse fato”, adianta. 

“Procuramos manter as coisas criadas que possam mostrar a diferença na forma de tratarmos a questão da saúde da mulher e do recém-nascido. Mas, tentamos trabalhar com as equipes no sentido de buscar resultados juntos, visualizando uma meta, um objetivo final. Assim, todos são importantes no trabalho, buscam os objetivos em vez de cada um trabalhar com uma função definida. As pessoas que trabalham por função determinada não enxergam aquilo que deve acontecer lá no final”, afirma a diretora do Caism. Esse é o jeito de comandar das mulheres.

Médicas contam os prazeres e pecados da vida pessoal

A dedicação ao novo trabalho mudou um pouco a rotina pessoal das médicas Marilza Rudge e Mary Ângela Parpinelli. Mas, ambas não abrem mão do  pouco tempo que têm para dedicar à familia, principalmente aos filhos, ainda que crescidos. No texto a seguir fazem revelações generosas sobre os prazeres de pecados da vida pessoal.  

Marilza Rudge:
 
Meu projeto pessoal é auxiliar a minha família para que meus filhos tenham crescimento profissional e espiritual. Tenho um filho e duas filhas. Dois são advogados e uma é ginecologista obstetra como eu. Também gostaria de obter um maior crescimento espiritual.

Não vejo a idade como algo complicado.  Não gostaria de voltar a ter 15 anos com a cabeça de 15.  E 15 anos com a cabeça que tenho hoje não combinaria com o grupo.

Durante a adolescência fui esportista e hoje corro, faço spinning, musculação e nado. Três vezes por semana chego às 5h30 da manhã à academia. Não consigo passar das 22 horas acordada.

Sou  vaidosa e consumista; gosto de moda e estar bem vestida. É um pecado, mas acho que não podemos ser tão perfeitas. Demoro uma hora e meia para me arrumar e sair de casa. 

Adoro comer, mas tenho de me conter para não ganhar peso. Procuro não ir tanto a restaurantes. Gosto muito de vinho tinto e procuro tomar uma taça por dia; além do prazer é saudável. Gosto de ir ao shopping ver coisas bonitas e de sair com a família. Fico em São Paulo até quinta-feira e passo os finais de semana em Botucatu. Na sexta-feira reunimos a família em casa para jantar. Como gosto de viajar, aproveito os convites que me fazem para dar aulas e estico as viagens. Gosto ler livros de auto-ajuda, como os do médico indiano Deepak Chopra.

Mary Angela Parpinelli:

Sou casada pela segunda vez e, mais uma vez, com médico. Meu filho mais velho está com 27 anos, faz residência médica em Cirurgia e minha filha de 23 anos, formou-se em Administração. Me sinto realizada em termos familiares. Meus filhos são ligados a mim e foram muitos tranqüilos em assumir os estudos  com dedicação. Isso me deu segurança em relação às minhas ausências que sempre foram grandes; sem dúvida eles se ressentiram.

Procuro manter um controle de peso, que neste momento saiu do controle. Sou avessa à atividade física, já tentei algumas vezes, mas as dificuldades sempre superam a vontade. Para manter o cabelo apresentável e a unha feita vou ao salão de beleza. Nunca coloquei um botox ou fiz cirurgia plástica.

Sou rapidinha para me arrumar, incluindo o banho gasto uns 20 minutos, ao contrário de minha filha. Dou apenas uma secada rápida no cabelo e não faço maquiagem. 

Minhas atividades sociais são gastronômicas. Uma vez por semana costumo sair com a família e com os amigos para jantar fora ou ir a um barzinho para relaxar um pouco. Também vou ao cinema de vez em quando.  

G
osto de leitura, mas pelo cargo que exerço hoje, não tenho tempo para  isso. O último livro que li foi  O Código da Vinci. Como mantenho as atividades de docência, utilizo parte dos finais de semana para trabalhar com alunos da pós-graduação. Também dou plantão uma vez por semana


O estilo Bachellet de comandar

A  pediatra e sanitarista Michelle Bachellet chegou este ano à presidência do Chile. Dois feitos foram definitivos para que Bachellet pudesse postular o cargo máximo de seu país como favorita nas pesquisas.

A primeira foi  a atuação bem sucedida como ministra da Saúde no governo de Ricardo Lagos, seu antecessor. A segunda, por pura obstinação, como ministra da Defesa do mesmo governo, cargo que poucas mulheres ocuparam no mundo. Em ambas as pastas, ela imprimiu o jeito Bachellet de comandar.

Um trecho da autobiografia da presidente chilena disponível em seu site revela um pouco sobre seu estilo:  “Tinha que dirigir um ministério - da Saúde - do qual dependiam diretamente mais de 70 mil funcionários e uma rede de serviços que chega a todos os cantos do país. O presidente impôs dois desafios especiais: melhorar a atenção primária, com a meta explícita de acabar com as filas de espera em três meses; e preparar uma grande reforma de saúde. Creio que isso só foi possível porque consegui um compromisso e uma mobilização, nunca vistos antes, das equipes técnicas do ministério, dos servidores do serviço de saúde, das organizações sociais e dos trabalhadores da atenção primária que buscaram como um só corpo a meta de acabar com as filas e dar atenção médica digna”.


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