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CAPA

EDITORIAL
Destaque desta Edição: debate sobre a pós-graduação em Medicina no Brasil


ENTREVISTA
Dom Eduardo Uchôa, reitor do Colégio e da Faculdade de São Bento, é o convidado especial desta edição


CRÔNICA
José Feliciano Delfino Filho - Zezo - escreveu especialmente para esta edição


CONJUNTURA
Quanto custa a violência urbana para a Saúde?


ESPECIAL
Um RX de Roraima, Estado rico em biodiversidade e... conflitos


DEBATE
Em discussão, a missão da pós-graduação no Brasil


MÉDICO EM FOCO
Sady Ribeiro conta sua jornada nos Estados Unidos


LIVRO DE CABECEIRA
A guerra contra os fracos - Edwin Black


HOBBY DE MÉDICO
Roberto Caffaro apresenta sua invejável coleção de canetas raras


GOURMET
A arte de inventar receitas - Roberto Franco Morgulis


CULTURA
A arte de Belmiro de Almeida nas telas, desenhos e caricaturas


HISTÓRIA DA MEDICINA
120 anos do Serviço de Oftalmologia da Sta. Casa de Misericórdia de São Paulo


ACONTECE
Cow Parade: maior exposição de arte de rua do mundo


CARTAS & NOTAS
Elogios ao novo projeto gráfico da Revista


GALERIA DE FOTOS


Edição 32 - Julho/Agosto/Setembro de 2005

CONJUNTURA

Quanto custa a violência urbana para a Saúde?

O custo da violência urbana para a saúde
Do total de despesas do sistema de saúde do país, 24% é gasto com vítimas de trauma. Esse tipo de paciente pode consumir até 40% dos recursos
de um hospital


Quando se fala de guerra civil no Brasil, confundem-se duas realidades: o país oficial e o país real.

O Estado evita qualquer abordagem direta e indireta sobre o conflito civil e metropolitano que temos instalado hoje em todo o país, que não parta da sua ótica e dos seus diagnósticos.

Vamos aos fatos: oficialmente 550 mil pessoas morreram vítimas de disparos de armas de fogo no Brasil entre 1979 e 2003 (SIM/Unesco), num ritmo infernal. Se somarmos a subnotificação de 20% sobre esse total (o mínimo admissível, em alguns Estados nordestinos chega a 60%), temos 600 mil assassinatos. Nos últimos 24 anos as vítimas de armas de fogo cresceram 461,8%, enquanto a população do país cresceu 51,8%. Em 1979, as mortes por arma de fogo representavam 1% do total de óbitos do país e passaram para 3,9% em 2003. Entre os jovens a taxa de mortes por armas de fogo aumentou de 7,9% (1979) para 34,4% (2003). Das 550 mil mortes provocadas por disparos de armas de fogo, 206 mil foram de vítimas dessa faixa etária.

Em 2003, mais de 56 mil pessoas morreram no país vítimas de homicídios, acidentes ou suicídios envolvendo armas de fogo. Até 2003, as armas de fogo representavam a terceira causa de morte no conjunto da população brasileira, atrás apenas das doenças cardiovasculares e das cérebrovasculares. Em 2004 ocorreu a primeira variação negativa no número dos óbitos por arma de fogo no Brasil, desde 1992, que teve queda de 8,2% comparada a 2003. O número de óbitos caiu em 18 estados. Mesmo nos que apresentaram crescimento, foi em menor escala do que nos anos anteriores. Isso indica um possível impacto do Estatuto do Desarmamento, de dezembro de 2003 e do recolhimento de armas, em julho de 2004. Os estados que mais contribuíram para a redução foram Rio de Janeiro e São Paulo. Nove estados apresentaram aumento em 2004, mas o crescimento foi  expressivo no Amazonas (29%) e Pará (11%).

Entre 57 países pesquisados pela Unesco, Venezuela e Brasil são os que registram as maiores taxas de morte por armas de fogo. A violência no Brasil não está restrita a guetos ou periferias, ela se tornou um fenômeno nacional. Sobre as vítimas da guerra civil e seu custo (médico) se estendeu uma pesada cortina de silêncio e indiferença. A guerra só colhe vítimas desconhecidas, num país desconhecido, numa sociedade longínqua. Os médicos, mesmo que não queiram – e não o querem – estão dentro do país real, atendem vítimas reais e são penalizados brutalmente pelo colapso do sistema hospitalar diante da pandemia de violência. O país real dos médicos que atendem ao trauma é o país das emergências, dos prontos-socorros, dos baleados, esfaqueados, atropelados, queimados, que agonizam à espera de um atendimento de qualidade que não lhes será feito. Basta apenas um dado para que não se perca tempo com futilidades sociológicas: o homicídio é a principal causa de morte dos jovens brasileiros até 24 anos; cada morte significa de 30 a 40 anos de sua vida potencial perdidos.

A mortalidade por causa externa aumenta diária e geometricamente há duas décadas. Quanto mais a polícia mata, encarcera, executa, mais os índices de criminalidade disparam; quanto mais a micro e a macrocriminalidade matam, seqüestram, roubam e executam suas vítimas, mais a indústria de segurança privada encarcera e restringe os cidadãos na sua convivência e urbanidade.
A pobreza não é crimogênica. Ser pobre não é portar automaticamente a condição de bandido. Claro que há uma série de variáveis – sociais, políticas, econômicas – alimentando o conflito, mas a sua base central é a desigualdade social. A violência afeta particularmente grupos sociais vulneráveis como os pobres, os marginalizados, os jovens, as mulheres, as crianças e os idosos. A violência tem um efeito devastador sobre as famílias: a gravidade das seqüelas que se produzem na saúde física e mental das pessoas provoca a desestruturação familiar.

A conta médica da guerra civil é impagável. A medicalização da violência tem um custo proibitivo para um país desequilibrado e injusto como o nosso. Por conta da guerra civil, o sistema de saúde pública começou a entrar em colapso na década de 80 e a crise atinge na década de 90 o grau de catástrofe. No novo século, o XXI, com apenas cinco anos, a catástrofe continua. O impacto do custo do atendimento médico das vítimas da violência em todo o país criou uma demanda dos prontos-socorros, serviços de urgência e emergência, hospitais, unidades de saúde e institutos de Medicina Legal; esses pacientes, mesmo representando apenas 20% do total de internações, podem consumir até 40% do total do orçamento de um hospital.

Os médicos, juntamente com os demais profissionais de saúde, que atuam na reparação dos danos físicos, lesões orgânicas e emocionais, estão trabalhando no limite do humanamente aceitável. As vítimas quase sempre exigem atenção especializada em saúde mental, reabilitação física e assistência social e não há dinheiro sobrando ou faltando para isso, simplesmente não há dinheiro. As escolhas de Sofia são diárias, rotineiras. A violência interfere na estrutura e organização dos hospitais e demais unidades de saúde, impedindo o atendimento a outros tipos de pacientes.

O total de causas externas – que, além de homicídios, incluem também acidentes, suicídios e outras causas não naturais – provocou cerca de dois milhões de mortes de 1980 a 2000 – o equivalente à população de Brasília. Em 82,2% dos casos (1,7 milhões), as vítimas foram homens. Em 2000, as causas externas foram a segunda maior causa de morte no país (14,5% do total de mortes), junto com as neoplasias malignas (14,9%).

A violência coloca em xeque a capacidade de os estabelecimentos de saúde oferecerem atendimento de emergência gratuito às vítimas de agressão. A Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária do IBGE, de 2002, observou que a oferta de camas na UTI disponíveis no SUS é mais precária no Norte (4,7 camas por 100 mil habitantes) e no Nordeste (5,8). No Sul, é de 13 por 100 mil, no Centro-Oeste é de 10,6 e no Sudeste, de 10,5. Agora, a tragédia: pertencem à esfera privada 65,7% dos estabelecimentos capazes de prestar atendimento 24 horas a vítimas de violência – com serviço e emergência em cirurgia e/ou traumato-ortopedia. O fato incontestável é que somente a rede pública atende vítimas pobres da violência, condição de quase a totalidade desse tipo de paciente. Para os pacientes que podem pagar, a rede privada oferece um excelente atendimento ao trauma. O restante é despejado dentro da rede pública.
Para quem ainda defende que temos uma guerra de baixa intensidade, que pode ser ignorada ou tolerada: entre cada 100 mil brasileiros, 27 foram assassinados em 2000 (IBGE, 2004). Para cada morte atribuída a um acidente ou violência ocorrem pelo menos 200 causas de lesões não mortais (OMS, 2002). As vítimas de trauma, com 20% do total de pacientes internados, podem chegar a consumir até 80% do total de recursos da rede pública em alguns Estados do país. O custo médico-hospitalar para atendimento às vítimas da guerra: nove bilhões de reais do total do orçamento público de saúde nas três esferas (federal, estadual e municipal).  Quando se fala em conta médica, os números apresentam uma realidade macabra: nos hospitais públicos de excelência, o traumatizado recebe o melhor atendimento possível. Mas isso não é possível em mais do que em 40% da rede em todo o país. E mesmo nos hospitais públicos que se dignam a ofertar o melhor cuidado a esse tipo de paciente o custo é sufocante.

Os dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça atestam o que sabemos: é uma guerra civil localizada nas principais capitais e cidades do país, o índice de desigualdade social já saltou a escala humana há muito tempo: 50% do total de homicídios do país se concentram em 27 municípios (a maioria, capitais) os outros 50% em 5.480 municípios. Essas 27 cidades concentram apenas 25% da população (45 milhões) enquanto que 75% da população (135 milhões) estão concentradas nos 5.480 restantes. Isso quer dizer que a guerra é localizada, identificável: 25% da população (45 milhões) sofrem a mesma massa de violência que 75% (135 milhões), tomando como base, em números redondos, uma população estimada em 2005 pelo IBGE de 180 milhões de pessoas. É uma hecatombe humanitária.  
 
Qual é o verdadeiro custo médico da conflagração? Quanto custa essa guerra? Quanto custa um paciente de trauma de baixa, média ou alta complexidade? O número médio aceito pelo Estado, mas não incorporado aos seus documentos oficiais, é que 24% do total de despesas do sistema de saúde pública do país é gasto com esse tipo de paciente. Outro estudo de entidades médicas aponta que as vítimas de trauma – com 20% dos pacientes internados – consomem até 40% do total de recursos da rede pública. No estudo de números que fiz para o livro Guerra Civil – Estado e Trauma, esses números se confirmaram.

O gasto da saúde do país é 70% público e 30% privado. Tendo 2002 como ano base, o gasto público foi da ordem 35 bilhões e o privado 19 bilhões. Um total de 54 bilhões, correspondente a 5,1% do PIB. Se considerarmos que a guerra civil está consumindo cerca de 20% desse total – 11 bilhões – temos naturalmente o colapso do sistema de saúde pública do país. Não há sistema que agüente ou funcione com essa percentagem no mundo. A não ser os países em guerra. Dos 11 bilhões de reais no custo do atendimento médico-hospitalar com as vítimas da violência, 5,9 bilhões são somente das vítimas do trânsito, segundo o estudo de Júlia Greve feito no Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas em conjunto com o Ipea. O trabalho de Greve é referência pela qualidade e metodologia.

Custo do atendimento médico por gravidade: para os casos moderados, o custo médio foi de R$ 12.508,66, com mínimo de R$ 3.179,80 e máximo de R$ 28.820,22. Para os casos graves, o custo médio foi de R$ 74.523,58, com mínimo de R$ 8.005,63 e máximo de R$ 238.480,81. Para os casos “óbitos-internação”, o custo médio foi de R$ 66.792,38, com mínimo de R$ 6.919,06 e máximo de R$ 157.359,32. Para os acidentados “óbitos-hospital dia”, o custo médio foi de R$ 6.302,39, com mínimo de R$ 1.523,00 e máximo de R$ 10.750,56. 

O principal gatilho – e não a causa – da violência no país é o álcool, presente em 75% das colisões e atropelamentos e em 60% dos homicídios. Cerca de 9,8% da população brasileira – IBGE, junho de 2004 – bebe em demasia. Isso significa que aproximadamente 18 milhões de pessoas são alcoólatras. Um quinto dos traumas no trabalho são provocados pelo álcool - cerca de 300 mil pessoas incapacitadas temporariamente e 100 mil permanentemente. A relação álcool-volante revela a faceta mais cruel deste problema: em cerca de 80% dos desastres com vítimas fatais nas ruas e estradas de nosso país existe um motorista alcoolizado envolvido. O Brasil está no topo da lista de países com o maior número de desastres de trânsito do mundo. Segundo o Ministério de Saúde do Brasil, de 70% a 80% da população fazem uso de bebida alcoólica. Mais de 30% têm problemas de saúde devido ao álcool e 10%, são graves, considerados como dependentes e viciados. O relatório sobre uso de drogas divulgado pela Organização Mundial da Saúde, em março de 2004, mostrou que, apesar de o consumo por adulto/ano de álcool puro ser menor no Brasil que nos EUA (8,6 litros contra 9,7 litros dos americanos), aqui o padrão é abusivo e/ou nocivo. Uma guerra de pobres, com atendimento pobre, feita num país pobre mas com custo milionário. Pobre país...


Você sabia? ... que a maior parte da conta hospitalar (70,8%) é advindo de quatro itens:

32,89% de custos de medicamentos
20,55% de custos de materiais médico-hospitalares
10,85% de custos de honorários médicos
6,51% de diárias hospitalares

Acompanhe na edição impressa, Tabela e Gráfico sobre a Composição da conta hospitalar em reais para 76 pacientes, vítimas de acidentes de trânsito, atendidas no HC-FMUSP de 23 de julho à 23 de agosto de 2001

* Luís Mir é doutor em História e pesquisador do atendimento médico ao trauma e coordenador nacional do Projeto Trauma 2005, mantido por sete sociedades de especialidades médicas. Entre suas obras estão A Revolução Impossível (Best Seller 1994), Genômica (Athenzeu, 2004), Guerra Civil Estado e Trauma (Geração 2005).


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