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A classe médica, sensibilizada com a tragédia ocorrida na Ásia em janeiro, ofereceu pronta ajuda às vítimas do tsunami


ENTREVISTA
Silvia Brandalise - Centro Infantil Boldrini


CRÔNICA
Ricardo Freire - Médica de família


SINTONIA
Márcia Rocha Monteiro


CONJUNTURA
Renato Ferreira da Silva e o aumento no número de transplantes no Brasil


BIOÉTICA
Em debate a escolha do sexo dos bebês por métodos de reprodução assistida


POLÍTICA DE SAÚDE
Henrique S. Francé e o Programa de Saúde da Família


COM A PALAVRA
Marivânia Santos: o exercício da Medicina numa plataforma móvel da Petrobrás


MÉDICO EM FOCO
Michel Jamra, o médico que transformou a Hematologia em disciplina na Universidade


HISTÓRIA DA MEDICINA
O bastão de Asclépio, símbolo da Medicina


GOURMET
Bacalhau de Paellera, de Ivan Guidolin Veiga


CULTURA
O Museu da Loucura de Barbacena retrata primeiro Hospital Psiquiátrico de Minas Gerais


LIVRO DE CABECEIRA
O destaque desta edição é "Status Syndrome", de Michael Marmot


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Edição 30 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2005

CULTURA

O Museu da Loucura de Barbacena retrata primeiro Hospital Psiquiátrico de Minas Gerais

Museu da Loucura

Espaço mostra as entranhas de um dos maiores manicômios do Brasil e as mudanças ocorridas no tratamento psiquiátrico.

Texto e fotos: João Prudente

O Museu da Loucura de Barbacena, inaugurado em 1996, é um espaço temático que resgata a história do primeiro Hospital Psiquiátrico de Minas Gerais.

O Hospital foi criado em 1903 e instalado em um antigo sanatório para tratamento de tuberculosos, nas terras da Fazenda da Caveira que, no século 18, pertenceu a Joaquim Silvério dos Reis, o traidor da Inconfidência Mineira. Na época, ia para Barbacena quem estivesse no pior estágio da loucura. No início do século 20, logo após a inauguração do Hospital, chegava à cidade o famoso “Trem de doidos”, lotado de pacientes de todos os cantos do Brasil. A demanda ia sempre aumentando, visto que Barbacena era referência e acolhia a todos que chegavam: alcoólatras, sem tetos, portadores de deficiência física e os chamados “loucos”.Todo ser humano que tivesse algum “desvio” era mandado para lá. “Quando os pacientes vinham para Barbacena, às vezes enviados de outros hospitais psiquiátricos, já sabiam que estavam condenados à prisão perpétua. Daqui não sairiam nunca mais”, conta Lucimar Pereira da Silva, coordenadora do Museu.
 
A lobotomia e o Nobel
Quem visita o Museu conhece a história do antigo “manicômio” por meio de fotos, documentos, livros - inclusive o livro-registro com o nome do primeiro paciente - e os instrumentos utilizados para o tratamento de internos, felizmente hoje aposentados. Alguns chamam a atenção como os aparelhos de eletrochoques e o instrumental utilizado na realização do que então se entendia por “psicocirurgia”, a leucotomia e a lobotomia.

Idealizada pelo neurologista português Antonio de Abreu Freire Egas Moniz em 1936, a leucotomia consistia na abertura de orifícios na parte sagital do crânio, por onde passava um instrumento chamado leucótomo de fio, para retirada das fibras nervosas dessa região do cérebro. O procedimento transformava pacientes agressivos em pessoas calmas e apáticas. Egas Moniz indicava a cirurgia principalmente para pacientes esquizofrênicos que não respondiam aos tratamentos disponíveis e como último recurso terapêutico. Por sua descoberta, o neurologista português recebeu o Prêmio Nobel da Medicina e Fisiologia de 1949, juntamente com o fisiólogo suíço Walter Hess.  

A técnica de Egas Moniz foi alterada dando origem à lobotomia, procedimento que consistia na incisão nos lobos frontais para desconectar as fibras nervosas, dessa região, do resto do cérebro. Contrariando a vontade de Egas Moniz, a lobotomia foi utilizada de forma indiscriminada e em larga escala no mundo, principalmente nos Estados Unidos. A representação de um centro cirúrgico para procedimento de lobotomia numa das salas do Museu impressiona os visitantes. Além de um crânio humano, material cirúrgico e raios X de cérebros, um fundo musical new age com o som de um coração batendo toca o tempo todo dentro da sala.

Depois de passar por muitas crises o Hospital de Barbacena mudou, e muito. Em 1970 chegou a ser denominado como “depósito de lixo humano e réplica de um campo de concentração nazista” pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia. Médico engajado na reforma psiquiátrica em nível mundial, Basaglia defendia o tratamento do doente sem tirá-lo do convívio da sociedade e da família, considerando desnecessária, na maior parte dos casos, a internação hospitalar. Atualmente, o Hospital de Barbacena tem cerca de 400 pacientes ainda internados e 800 profissionais (dois por paciente). No passado eram 100 funcionários para cinco mil pacientes. Em 20 anos, de 1936 a 1956, a lobotomia saiu do auge para o desuso e hoje é um procedimento banido da prática médica. Há muito tempo, o “Trem de doidos” está fora dos trilhos. Suas viagens desumanas e superlotadas perduram somente nas páginas dos livros do Museu.

Nas sete salas do Museu, além de história, há espaço para arte de qualidade, com exposições de artistas de Minas. Alguns internos do hospital participam das exposições como artistas. “Os internos também visitam as exposições”, contou Lucimar, ressaltando a importância da aproximação dos pacientes com a sociedade. “O museu também mostra a mudança da conduta terapêutica e como são realizados os tratamentos atualmente”, afirma.

O Museu é fruto de uma parceria entre a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – através do Centro Hospitalar Psiquiátrico – e a Fundação Municipal de Cultura de Barbacena. Seus principais objetivos são criar um elo entre o hospital e a sociedade e despertar a reflexão sobre a fronteira da loucura e da razão. O artista plástico e poeta mineiro Edson Brandão sintetizou as suas reflexôes, após visitar o museu: “... descubra que sua ocasional infelicidade é insignificante, que sua ligeira depressão é frescura, que suas rugas são lindas e que o mundo chato em que você vive é um paraíso. Estes infelizes existem para lembrá-lo que sua felicidade é mais real do que você imagina. Sinta-se igual a eles. Você é apenas o outro lado da moeda”.

Juqueri, o fim do pesadelo

Livro do Cremesp fala da intervenção do Conselho no maior manicômio do Estado, um marco na luta pela dignidade no tratamento dos doentes mentais.

Além do hospital de Barbacena, outro histórico centro de tratamento psiquiátrico é o Hospital Colônia de Juqueri. Maior em capacidade e em problemas, deverá ser desativado neste ano. O livro Cremesp – uma trajetória, lançado em dezembro, conta as ações do Conselho no Juqueri. A obra narra a história do Cremesp desde sua fundação até os dias atuais. A seguir, a Ser Médico reproduz trechos do capítulo sobre o hospital publicado no livro do Cremesp sob o título Um pesadelo chamado Juqueri.

“A desativação do complexo do Juqueri, em 2005, deve, enfim, encerrar a história de um hospital psiquiátrico que viveu em crise por mais de 65 anos. “Pode ter havido instituições médicas tão caóticas quanto o Juqueri, mas não piores”, afirma o psiquiatra Marco Ferraz, que foi conselheiro do Cremesp (1978-1983) e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (1980-1983). Ele fala com conhecimento de causa: foi coordenador de Saúde Mental durante o governo de Franco Montoro (1982-1986).

O Juqueri se tornou alvo das preocupações do Cremesp logo depois da posse da gestão inaugurada em 1978. Na época, a situação era calamitosa. Os recursos assistenciais, quando chegavam, eram mal utilizados. Ao longo da maior parte da sua história, o hospital permaneceu refém de gestores que criaram cabides de emprego e de políticos que aproveitaram sua estrutura para ganhar votos. Os pacientes estavam longe de ser os principais beneficiários. Ao contrário, sofriam com o abandono da família, as infrações médicas e os maus-tratos dos funcionários.

É bem verdade que essas características são comuns, até hoje, no Brasil. Em 2004, o país tinha 234 hospitais psiquiátricos e 47 800 leitos para doentes
mentais. A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB (Ordem do Advogados do Brasil) visitou, de março a agosto daquele
ano, 38 manicômios de 16 Estados e do Distrito Federal. Segundo o relatório da comissão, a maior parte desses hospitais apresentava quadro de “extrema preocupação”. Faltava, conforme se constatou, praticamente tudo, desde medicamentos e roupas (muitos doentes mentais foram encontrados nus em pleno inverno) até médicos nos fins de semana e terapeutas ocupacionais. Pacientes, em diversas unidades, eram tratados como presidiários. De fiscalização, praticamente nada. Promulgada em 2001, a lei da Reforma Psiquiátrica – que, entre outras coisas, estabelece a internação apenas como último recurso – não foi o bastante para alterar o colapso na área de saúde mental. A situação, no geral, pouco melhorou.

Com base em denúncias de grande repercussão na imprensa (ingerência, desvio de verbas, falta de medicamentos, infrações médicas e maus-tratos), o Cremesp fez uma visita histórica ao Juqueri, no dia 7 de fevereiro de 1983. Da comitiva faziam parte Irene Abramovich, Antônio Cesarino, José Cássio de Moraes e outros conselheiros. “Dava para perceber, de longe, o descaso de alguns profissionais”, diz Cesarino. “O Juqueri estava na contramão da psiquiatria.” A visita trouxe à tona as graves deficiências do hospital. “Só havia médico até as 15 horas”, lembra Irene. A participação do Cremesp e de outras entidades, mais as sucessivas denúncias, levaram o Juqueri de volta aos noticiários.(...)

Superpopulação – Foi o governo estadual de São Paulo que fundou, em 1898, o Asilo de Alienados do Juqueri, na gleba de uma grande fazenda num
subúrbio da capital. Tanto a fazenda quanto o município em que estava instalada também se chamavam Juqueri (...). O primeiro presidente da instituição foi o psiquiatra Franco da Rocha. Próximo ao asilo, havia uma estação de trem, construída em 1889 pela São Paulo Railway (Estrada de Ferro Santos–Jundiaí). Por causa da estação, o Juqueri, desde o começo, foi um local de fácil acesso. Seu nome mudou, no ano de 1929, para Hospital e Colônias de Juqueri. Dez anos depois, ocorreu a primeira crise. “Perceberam que o hospital já não funcionava direito e estava com muitos problemas”, diz Ferraz. A década seguinte consagrou o termo Juqueri como “a casa dos loucos”, e
não mais como uma cidade paulista. O serviço de correios começou a confundir entregas de correspondências, e os moradores organizaram um movimento com o objetivo de mudar o nome do município. Em 1948, os juquerienses foram atendidos, e a cidade passou a se chamar Mairiporã, livrando-se do estigma do hospital.

O Juqueri já dava sinais de colapso. “Juntar doentes neurológicos e doentes psiquiátricos não é necessariamente o mais adequado”, afirma Ferraz. “No Juqueri, pior do que isso, havia também idosos, crianças e inválidos que eram largados lá pelas famílias. Num mesmo complexo, misturavam-se várias funções, e todas saíam prejudicadas.” O hospital começou a ter lotação excedente. O número de internos chegou a aumentar, num único ano, em quase 4 mil pacientes — de 7.099 (em 1957) para 11.009 (em 1958). No pior momento, meados dos anos 60, teve cerca de 16 mil pacientes internados. (...) O Juqueri foi inchando década após década e, apesar das promessas e das intenções, pouca coisa se fazia. Era preciso tomar medidas radicais.

Em 1973, o complexo foi desmembrado. O governo estimulou a fundação e a reorganização de hospitais psiquiátricos que, com verba pública, acolhessem pacientes do Juqueri. A crise, porém, apenas mudou de endereço, já que os hospitais, invariavelmente, repetiam os vícios do complexo. Na definição de Ferraz, “criaram-se mini-Juqueris”. Os pacientes eram escolhidos sem critério, e os novos hospitais funcionavam como cabides de emprego. Quando o Cremesp inspecionou o Juqueri, não havia mais do que 4 mil ou 5 mil pacientes, mas as mortes (evitáveis) continuavam ocorrendo. O conselho julgou médicos envolvidos e aplicou punições. Marcos Ferraz, ao assumir seu cargo no governo Montoro, propôs a criação de um hospital público para doentes mentais em Franco da Rocha, a proibição de internações no Juqueri, a ampliação do número de ambulatórios e a implantação de unidades psiquiátricas em postos de saúde. Hoje, para a área do Juqueri, Ferraz propõe o tombamento e a restauração do espaço, que está distribuído entre os municípios de Franco da Rocha, Francisco Morato, Cajamar, Caieiras e Mairiporã. Em 2004, o Juqueri tinha pouco mais de mil pacientes.

* João Prudente é jornalista e fotógrafo.

Museu da Loucura

Endereço: BR 265, Km 05, Barbacena MG (anexo ao Hospital Psiquiátrico). Recebe visitas agendadas de escolas, agências de turismo e de grupos interessados. Maiores informações pelo telefone: (32) 3362-6768


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