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CAPA

EDITORIAL
Editorial de Desiré Callegari - Parcerias e Interesse Público


ENTREVISTA
Nesta edição, um papo informal com a presidente do Conselho Regional de Psicologia


ATIVIDADES DO CREMESP 1
A ação do Cremesp frente às condições do trabalho médico no interior


ATIVIDADES DO CREMESP 2
Educação Continuada: iniciativa do Cremesp celebra 1 ano de muito sucesso


ÉTICA
O diretor de Comunicação, Antonio Pereira Filho, escreve para a coluna Opinião de Conselheiro


CIDADANIA
Violência em SP: concluída 1ª etapa da análise dos laudos sobre mortes no Estado


ESPECIAL
Estudo mostra doenças e procedimentos mais excluídos pelas operadoras


TRANSPLANTE DE FÍGADO
Acompanhe a opinião de dois especialistas sobre a Portaria MS nº 1.160


TRABALHO MÉDICO
Cremesp fixa remuneração dos médicos em plantão à distância


ATUALIZAÇÃO
Vem aí Campanha do Ministério da Saúde para incentivar o parto normal e reduzir o índice de cesarianas


AGENDA
Acompanhe a participação do CRM em eventos relevantes para a classe médica


TOME NOTA
Alerta Ético aborda o tema "Responsabilidade no Atendimento"


NOTAS
Destaque para a adoção da CBHPM pelo município de Indaiatuba


HISTÓRIA
Hospital Samaritano: a volta ao passado de uma instituição ecumênica


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Edição 226 - 06/2006

TRANSPLANTE DE FÍGADO

Acompanhe a opinião de dois especialistas sobre a Portaria MS nº 1.160



Transplante de fígado

A portaria nº 1.160 do Ministério da Saúde, que implanta o critério de gravidade para a seleção de receptores de transplantes de fígado, divide opiniões entre médicos. Publicamos, a seguir, artigos de dois especialistas no tema

Finalmente foi adotado o critério de gravidade!
Hoel Sette Jr.*

O Ministério da Saúde, após ouvir representantes dos pacientes e o Ministério Público, por intermédio do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), montou uma comissão para discutir e estabelecer a portaria no 1.160, de 29 de maio de 2006, publicada na edição 103 de 31/05/2006 do Diário Oficial da União, que regulamenta a distribuição dos enxertos para transplante hepático.

Foi uma jornada de nove anos, que sucederam a Resolução SS/SP nº 091 de 04/07/97, estabelecendo o critério cronológico rígido, tornado nacional pela Portaria MS-ANS nº 3.407 de 05/08/98. Foi marcada por arbitrariedades e injustiças, cometidas em nome da transparência e da utilidade médica, respeitando o princípio de transplantar aqueles com maior chance de sobreviver por menor custo. “Milhares de vidas” foi o preço pago por não se transplantar os pacientes graves, auferindo-se ainda mortalidade na lista superior a 60%, e submetendo-se ao risco inerente do procedimento (15 a 20%) muitos pacientes que ainda poderiam esperar. Há que mencionar a inconstitucionalidade do modelo adotado, já que o critério cronológico rígido não encontra similaridade no planeta e fere frontalmente os princípios deontológicos da prática médica, a justiça distributiva e os direitos humanos.

A hepatologia moderna teve grande avanço na última década, e vários tipos de intervenção são capazes de modificar substancialmente a qualidade de vida e a história natural das doenças que acometem o fígado, com aumento significante de sobrevida, sendo o transplante hepático a única opção para todos aqueles portadores de doença hepática terminal.

As formas de cirrose já descompensada ou mesmo as neoplasias malignas primitivas do fígado, embora possam ser controladas paliativamente com vários tipos de intervenção clínica, apresentam caráter progressivo e imprevisível, e o transplante hepático passa a ser o tratamento imperativo de escolha.
Em função da falta de órgãos para contemplar a demanda de receptores foram adotados diferentes tipos de modelos de gravidade, a saber: necessidade de cuidados em UTI, Child-Turcotte-Pugh e, finalmente o critério do MELD/PELD.

O estudo de custo/efetividade da Transpática, analisando números gerados pela SES-SP no período mais recente, ou seja, na vigência de critério cronológico rígido, constata que 63% dos pacientes inscritos são excluídos por óbito e somente 37% chegam ao transplante. Entretanto, infelizmente, somente 65% destes transplantados sobrevivem um ano após o transplante, o que, em resumo, significa que de cada 100 que entram na lista apenas 24 estão vivos após um ano. Um desastre em termos de efetividade do sistema.

A efetividade do transplante hepático é proporcional à capacitação técnica das equipes cirúrgica e anestésica, aos cuidados no pós-operatório imediato, e também às condições do doador/enxerto. Escalas, tais como a de Brisceno, podem melhor avaliar os fígados “não-ideais”, maioria dos enxertos utilizados na CNCDO de São Paulo, Capital. Deve ficar claro que o critério MELD/PELD avalia a sobrevida dos pacientes em lista, e não a sobrevida dos pacientes após o transplante, pois esta é multi-fatorial e dependente de todas as variáveis acima citadas.

Causam espécie as ameaças explícitas publicadas na mídia contrárias à implementação do MELD/PELD, fazendo alusão a possibilidade de fraude. Na verdade, não é necessário ser inteligente para alterar as variáveis que suportam a base dos modelos MELD/PELD. Com a utilização de fármacos anti-coagulantes certamente é elevado o INR. Da mesma forma, o uso indiscriminado de diuréticos pode ocasionar desidratação e agravamento da insuficiência renal, tão freqüente nestes pacientes. Até mesmo a bilirrubina poderia ser elevada com a utilização de drogas colestáticas ou que produzam hemólise.

Vale lembrar que o modelo MELD/PELD é dinâmico, sendo os exames repetidos a intervalos menores que 7 dias para escores MELD acima de 25, a cada 30 dias para escores de 24 a 19, e assim por diante. Desta forma, a utilização de uma conduta “fraudulenta” de maneira sustentada certamente repercutirá no aumento do MELD, mas precipitará o óbito dos pacientes. Tal atitude necessitaria da cumplicidade de vários colegas, bem como de toda a infra-estrutura institucional, e dificilmente encontraria justificativa científica, não resistindo à mais simples auditoria, desde que legítima e com representação social.


*Hoel é hepatologista do Serviço de Transplante e Cirurgia do Fígado do HC-FMUSP e vice-presidente da SBH - Sociedade Brasileira de Hepatologia

Perspectivas de adoção do sistema MELD no Brasil
Paulo Celso Bosco Massarollo*

A alocação de órgãos encontra no fígado seu exemplo mais desafiador e controverso. Nessa modalidade de transplante, a alta prevalência de afecções graves, como a hepatite C, associada à falta de alternativas de tratamento nas fases terminais, determina uma demanda que supera em muito a oferta de enxertos. No Brasil, existem 7.000 inscritos na lista de espera enquanto, em 2005, foram realizados 759 transplantes com órgãos de doadores falecidos. Essa enorme desproporção exige discernimento e sabedoria na alocação de recurso tão escasso.

A sistemática ideal deve contemplar cinco princípios éticos: Eqüidade, entendida como igual acesso ao tratamento; Utilidade, ou seja, obtenção da melhor sobrevida pós-operatória; Eficiência, avaliada pela relação custo/benefício; Esperança, que é a crença dos candidatos na possibilidade de serem atendidos; e Justiça, que resulta dos anteriores e traduz um sentimento de bem estar coletivo decorrente da compreensão e da confiança da população no sistema utilizado. Desse último depende o apoio da sociedade à doação de órgãos, atitude basilar para a realização dos transplantes.

No Brasil, o primeiro transplante de fígado com sucesso foi realizado em 1985. Na década de 90, com o crescimento dos programas, a distribuição de enxertos passou a ser feita para os hospitais, em rodízio. Nos privados, a menor demanda permitia a realização de transplantes em semanas, ao passo que nos públicos, com filas maiores, a espera durava anos. Em 1997, essa grave ineqüidade foi corrigida pela adoção da lista única cronológica, que trouxe benefícios adicionais:

1) maior transparência do sistema, que é simples, intuitivo e facilmente auditável;
2) aumento da captação de órgãos, que quadruplicou; 3) aumento dos transplantes realizados pelo SUS que passaram de 40%, em 1996, para mais de 90% em 2005.

Apesar dessas vantagens, a lista cronológica determinou uma nova distorção, à medida que o número de inscritos cresceu mais rapidamente do que o número de transplantes. Em São Paulo, o tempo de espera ultrapassa quatro anos, prazo incompatível com a história natural da doença nos casos mais graves. Para esses, o sistema atual determina menor possibilidade de acesso, maior mortalidade em lista e falta de esperança. Tais argumentos fundamentam a decisão do Ministério da Saúde de alterar o critério de classificação da lista única e priorizar os casos mais graves.

A adoção do critério de gravidade pode provocar conseqüências adversas que, infelizmente, não foram bem dimensionadas até o momento. Dados nacionais e norte-americanos definem com clareza uma menor sobrevida e um maior custo dos transplantes nos pacientes com MELD elevado. Afirmações em contrário se devem a uma interpretação equivocada de que, nos EUA, a sobrevida tenha se mantido após a troca de um critério de gravidade subjetivo pelo MELD. Já no Brasil, a mudança da cronologia para a gravidade pode significar uma alteração profunda no perfil dos pacientes transplantados. Corre-se o risco de reduzir a mortalidade em lista às custas de uma maior mortalidade após o transplante.

A questão da eficiência deve considerar as profundas diferenças econômicas entre o Brasil e os EUA. Nosso gasto público em saúde (3,4% do PIB) é metade do norte-americano (6,5% do PIB). Essa diferença é imensa, considerando que o PIB dos EUA é 20 vezes maior. Lá, o ressarcimento médio do transplante é de US$ 200.000,00, ao passo que no Brasil as instituições recebem do SUS dez vezes menos. O esperado aumento de custos sem correspondente aumento de receitas pode significar um desequilíbrio financeiro do sistema público e maior dificuldade de acesso ao tratamento pelo SUS.

Esses temores emanam da opinião majoritária da comunidade médica envolvida com o transplante de fígado. Não traduzem uma posição conceitualmente contrária à adoção do MELD, mas um alerta em relação aos cuidados necessários na promoção de mudanças na alocação de órgãos. Entende-se que a simples utilização de dados americanos é inadequada, já que se referem a um contexto profundamente diferente. Urge realizar estudos multicêntricos brasileiros, prospectivos e retrospectivos, analisando o efeito da mudança de critério nesses indicadores em nosso meio. Apenas de posse dessas informações será possível avaliar e corrigir nosso sistema de alocação.


*Paulo Celso é Professor Doutor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP; chefe do Serviço de Transplante de Fígado da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; e secretário da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (2006/2007)

 


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