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Edição 213 - 05/2005

ESPECIAL

A visita de Humberto Costa ao Conselho


Ministro Humberto Costa: “assumimos o compromisso de implantar a CBHPM”

Afirmação foi feita durante visita inédita do ministro ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo

  
O ministro da Saúde, Humberto Costa, visitou, no dia 9 de maio, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo.


Após reunir-se com o presidente do Cremesp, Isac Jorge Filho, o ministro participou, durante cerca de três horas, da reunião plenária do Conselho. Humberto Costa respondeu a todas as questões formuladas pelos conselheiros. Foram abordados assuntos relacionados às políticas de saúde, financiamento do setor, problemas da assistência, exercício profissional do médico, abertura de cursos de Medicina, entre outros.

Precedendo o debate, o ministro apresentou estudo do Ministério da Saúde sobre o perfil da Residência Médica e as áreas de concentração de médicos no país. Coube ao secretário do Cremesp,
Henrique Carlos Gonçalves, uma exposição sobre o trabalho e a produção do Conselho nas suas atividades judicantes, de fiscalização e de prestação de serviço.

Ao final da sessão, Isac Jorge Filho declarou que a visita de Humberto Costa foi uma demonstração de carinho e um reconhecimento da importância do Cremesp. “Agradecemos e ficamos muito felizes porque estamos estabelecendo um diálogo amplo, uma parceria com o Ministério da Saúde que vai permitir que possamos voltar a discutir em profundidade todos os assuntos abordados durante a visita.”

Confira a seguir a íntegra da entrevista com o ministro Humberto Costa, a partir das intervenções dos conselheiros e convidados.

O que tem sido feito pelo Ministério da Saúde para impedir a abertura de novos cursos de Medicina?
Hoje não dão mais entrada e não estão sendo analisados novos pedidos de abertura de cursos de Medicina. Mas ainda não definimos os critérios para a abertura e temos um problema, pois antes de chegarmos ao governo foram muitos os pedidos de novos cursos. Muitos desses processos já estão avançados, só dependendo de uma decisão do Conselho Nacional de Educação. Nós não aceitamos a entrada e nem analisamos novos pedidos, em decisão conjunta com o Ministério da Educação. Mas não podemos proibir os processos em curso, o que certamente seria revertido na Justiça. Abrir curso de Medicina em São Paulo não faz sentido.

O Brasil forma médicos adequadamente?
Precisamos ter um sistema formador que produza profissionais também para o SUS, que é o maior empregador de médicos. Eles devem ter mais contato com a comunidade e, posteriormente, integrar o atendimento na área de atenção básica. Isso não significa que estamos colocando em segundo plano a formação de especialistas que utilizam tecnologias sofisticadas, pois um dos princípios do SUS é o da integralidade. As pessoas têm que ter acesso desde o serviço mais elementar até os de alta complexidade. Mas não há dúvida de que a realidade do Brasil exige profissionais com formação generalista. Procuramos criar mecanismos para fixar os profissionais nos Estados e regiões de difícil acesso, e temos que garantir o processo de especialização desses médicos nessas mesmas regiões.

O senhor é favorável à implantação da CBHPM e das diretrizes de especialidades médicas?
Somos favoráveis à CBHPM e assumimos o compromisso de implantá-la, tanto no SUS quanto na saúde suplementar. A classificação tem uma lógica correta, em que pesem divergências quanto à hierarquização de alguns procedimentos. Se de fato não houve uma espécie de tabelamento, a CBHPM pode ser implementada sem maiores dificuldades. Em alguns casos há conflitos pois a classificação prevê a introdução de novos procedimentos que a legislação dos planos de saúde não exige. Com relação às diretrizes, não só apoiamos como temos trabalhado em conjunto com as sociedades de especialidades. Isso tem acontecido na área da cardiologia, no atendimento ao paciente renal crônico, por exemplo. É nossa meta racionalizar as ações do profissional no âmbito do SUS, desde que de acordo com aquilo que está cientificamente evidenciado.

Teremos o apoio do ministro para a aprovação da Lei de regulamentação da profissão?
Esse é um assunto muito difícil de ser tratado pelo Ministério da Saúde, porque envolve diversos atores e regulamentações profissionais. Entendemos que em saúde é preciso uma ação multiprofissional para a obtenção de melhores resultados. Ao mesmo tempo, acreditamos que devem ser definidas claramente as diversas funções. Mas existem responsabilidades que possuem interseções. Isso precisa ser discutido sem paixão e sem um corporativismo exacerbado de cada parte. É preciso encontrar uma saída negociada, que permita aos médicos uma definição clara de quais são as suas responsabilidades e as diferenciem das demais profissões, mas sem tolher os espaços dos outros profissionais.

Sobre o aborto legal em vítimas de estupro, a não exigência do BO não criaria certa impunidade nos casos de violência?
A própria norma do Ministério da Saúde prevê que é obrigação do serviço de saúde orientar e sugerir à pessoa vitimada por estupro, e que engravidou, que procure o setor policial e faça o BO. Não pode haver uma atitude de omissão em relação a isso. Senão a impunidade prevalece. Após conversa com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Nelson Jobin, estamos elaborando uma proposta para aprimorar a norma. Vamos propor que a justificação do aborto legal seja baseada em relato circunstanciado, assistido por pelo menos dois profissionais, incluindo psicólogo ou assistente social; na justificativa da intervenção médica, com parecer técnico; na ciência da mulher sobre as implicações diante de eventual falsidade ideológica; e no consentimento livre e esclarecido da mulher sobre o procedimento do aborto. Com esses procedimentos estará assegurado o direito da mulher ao atendimento digno e o médico estará resguardado no exercício de sua profissão.

Afinal, qual a posição do Ministério sobre a regulamentação da Emenda Constitucional 29? O que podem ser considerados gastos com saúde?
O nosso governo não nega que gasta pouco em saúde, se comparado a países que têm nível de desenvolvimento semelhante ao nosso. Mas temos feito um esforço grande para cumprir as definições da Emenda Constitucional 29. O governo passado fazia o cálculo para a definição do crescimento nominal do PIB tomando como base o que se chamava base fixa. Fazemos o que prevê a Lei: o que foi executado no ano anterior, acrescido do valor nominal do PIB. A Emenda 29, da forma como está, no que diz respeito ao governo federal, é uma espécie de armadilha. Quando o PIB cresce, há um crescimento do orçamento da saúde que termina por comprometer outros gastos sociais que são importantes. Se houvesse uma retração, teríamos um grande prejuízo. Defendo que haja uma vinculação importante, mas que se faça por um percentual do orçamento, como é feito em relação aos municípios e aos Estados. Programas de complementação alimentar como o Bolsa Família e ações de saneamento indicadas, pautadas, balizadas por indicadores de saúde são efetivamente ações de saúde. Agora, não concordamos com essa LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que foi encaminhada ao Congresso e inclui os gastos com saúde dos militares. O Ministério da Saúde não foi consultado pelo Planejamento sobre essa questão.

Haverá um plano de carreira para o SUS?
Devemos ter um processo de evolução na carreira do médico e do profissional de saúde, pelo seu mérito ou pelo seu tempo de serviço, como é a carreira do Poder Judiciário estadual, no qual o cidadão se submete a um concurso e, de acordo com a nota e a opção, ele é lotado em determinado local. Depois, por tempo de serviço ou mérito profissional, ele pode migrar para outros locais. O grande problema é que nós trabalhamos com três níveis da federação dentro do mesmo sistema e é preciso estabelecer quem vai contratar. Seria preciso haver um rodízio entre esses níveis e seria preciso também uma isonomia salarial.

Qual a relação do Ministério da Saúde com a ANS? É correto o aumento crescente de recursos do SUS para a ANS? O senhor defende linhas de crédito do BNDES e do Banco do Brasil para os planos de saúde?
A ANS é autônoma, não está subordinada, mas hoje tem uma identidade com o Ministério. Durante a greve dos médicos das seguradoras, nós impusemos que as empresas tinham que negociar, foi uma decisão política nossa que a ANS bancou. A decisão de entrar na Justiça para impedir um aumento nas mensalidades dos planos, maior do que os 11,75% do ano passado, também foi uma ação que propusemos à ANS. O Ministério da Saúde dá dinheiro para a ANS porque está definido na Constituição brasileira que é responsabilidade do Estado – no que diz respeito à área da saúde – garantir o seu papel regulador. A saúde é um bem público que pode ser prestada pelo setor público ou pelo segmento privado. Trata-se de um mercado imperfeito, por isso deve existir um intermediário que o discipline. Antes da lei de 1998 e antes da ANS – ainda temos bastantes problemas – era uma verdadeira selva. Então, o Estado tem que garantir que exista a ANS. Quanto às linhas de financiamento, existem hoje nesse mercado muitas empresas sem capacidade técnica para operar, sem condições de enfrentar dificuldades econômicas. Todo dia quebra um plano de saúde e não temos um sistema que garanta segurança aos usuários, a não ser no caso das seguradoras. Este é um mercado que tende a estabelecer um nível de concentração naturalmente. Permitir que esses maiores se fundam com outras empresas menores, permitir um processo de incorporação entre elas é de interesse dos próprios usuários e profissionais. Não são empréstimos subsidiados, não é “Proer”, é para que eles possam estabelecer as operações no mercado.

Por que o ressarcimento ao SUS, toda vez que um usuário do plano de saúde é atendido em um hospital público, não tem ocorrido na prática, apesar de previsto em Lei?
O ressarcimento não acontece principalmente porque a Lei diz que só pode ser ressarcido o procedimento que consta no contrato do usuário com o plano de saúde. Os planos antigos têm uma série de restrições e exclusões que estão nos contratos, portanto, não entram no ressarcimento. Por isso, nós defendemos, mas não conseguimos estabelecer o processo de migração dos planos antigos para novos. Também há uma série de artifícios jurídicos que são utilizados pelas operadoras, elas recorrem em diversas instâncias. Estamos concluindo uma proposta de projeto de lei, que esperamos enviar ainda em 2005 para o Congresso, onde propomos uma revisão da legislação de 1998, não só do ressarcimento, mas também de outros temas, como o da portabilidade de carências.

Os brasileiros estão expostos ao atendimento de urgência por profissionais que não fizeram residência médica nessa área. Isso é muito sério. Hoje estamos tentando solucionar a falta de médicos intensivistas naquelas regiões onde há um déficit acentuado de leitos de UTI´s e onde não há profissionais. Há dinheiro para investir na criação e custeio de leitos, mas não há profissionais. Uma das idéias é investir na residência médica na área de urgência e emergência. Ao mesmo tempo negociamos a oferta de custos de especializações com a sociedade brasileira de intensivistas. Por meio do programa Qualisus, estamos investindo na formação profissional nos centros de serviços de urgência e emergência. Temos dois grandes gargalos no SUS: o atendimento de urgência e emergência; e o atendimento especializado, seja ambulatorial ou cirúrgico. A exemplo dos hospitais universitários e das Santas Casas, pretendemos contratualizar a relação com os serviços de urgência. A nossa preocupação, além do acesso, é definir parâmetros de qualidade, um conjunto de indicadores e um conjunto de metas que os hospitais e serviços contratualizados terão que cumprir e que no seu conjunto irão representar a melhoria da qualidade.

A expansão do Programa Saúde da Família não vai tirar recursos do SUS?
Os recursos do Proesf (Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde da Família), que é o projeto de ampliação do Programa Saúde da Família, são do SUS, do Ministério da Saúde, mas também do Banco Mundial. O fato de estarmos investindo no PSF, não significa que estamos tirando recursos dos hospitais. Temos aumentado gastos com atenção básica, mas ainda caberia gastar mais. E quanto mais você gasta, você pode elevar a cobertura e poupar dinheiro, pois o atendimento hospitalar é mais caro. Se não houver o acompanhamento na atenção básica, a probabilidade daquelas pessoas procurarem o sistema de urgência é muito maior. Por isso, queremos ampliar o programa e incentivamos que os médicos façam mais residência no PSF.

As Santas Casas estão em crise e os últimos a receber geralmente são os médicos. Hoje está havendo retenção dos honorários, antes repassados via código 7. O que está sendo feito para mudar essa realidade?
Temos no Ministério da Saúde um fórum permanente de discussão da situação das Santas Casas. Em recente reunião com representantes do setor, eles pediram um reajuste imediato da tabela, um reforço ao programa “IntegraSUS”, ajuda na negociação com linhas de crédito junto ao BNDES. Estamos pensando em alguma alternativa imediata, mas também passamos a trabalhar com uma lógica diferente do pagamento por produção, que ensejava distorções e até corrupção. A exemplo do processo da reestruturação dos hospitais de ensino, iniciado em 2003, o ideal é que o recurso da Santa Casa chegue orçamentado globalmente, via contrato de gestão. Assim, o hospital pode se programar, sabendo que esse recurso não vai ser objeto de glosa, pois estará disponível todos os meses. Outro projeto de fortalecimento dos hospitais de pequeno porte, com menos de 30 leitos, também beneficiará muitas Santas Casas. Em relação ao código 7, nós achamos que ele é uma distorção, devemos pensar em outras alternativas de remuneração profissional.

Qual a posição do governo federal na revalidação automática de diplomas dos médicos estrangeiros, especialmente daqueles formados em Cuba?
Já fizemos uma proposta ao governo cubano de uma prova que fosse realizada periodicamente por universidades previamente definidas. A partir daí, os diplomas poderiam ser validados. No caso de Cuba, há um acordo bilateral e os cubanos não aceitam que os seus profissionais se submetam a prova aqui no Brasil.

O que tem sido feito para conduzir melhor a incorporação tecnológica na saúde no Brasil?
É preocupante o estímulo que hoje é dado no país aos sofisticados equipamentos que são incorporados ao sistema de saúde - público ou privado - sem planejamento adequado. Isso gera distorções e superconcentração de ofertas em algumas regiões. No caso do segmento privado, há concorrência predatória. É necessário regular e racionalizar essa incorporação tecnológica ou construir parâmetros para definir em que região vale a pena ter um determinado tipo de equipamento. Podemos reduzir ao mínimo possível a carga de impostos sobre equipamentos essenciais importados, alguns já pagam menos impostos federais e contribuições como a COFINS e o PIS. Mas também é importante a produção de equipamentos no país. O governo estabeleceu uma política industrial que incluiu a área da saúde como um dos componentes importantes, que inclui a produção de fármacos, medicamentos, mas também equipamentos e insumos.

Há uma discussão para retirar a representação dos médicos no Conselho Nacional de Saúde. Qual a opinião do senhor?
Defendemos que haja uma representação dos médicos no Conselho Nacional de Saúde. O fato de o recente Decreto Presidencial ter colocado nove representações de profissões da saúde no Conselho, não foi no sentido de promover a exclusão de alguma das profissões. Achamos que o médico deve ser representado.

Caso a optometria seja regulamentada, como ficará a prescrição da correção ótica atendida pelo SUS?
Com relação à optometria, não tenho uma posição fechada. A nossa preocupação é sempre garantir à população o acesso aos serviços da forma mais segura possível. Apesar de já existirem essas proposta de regulamentação, ainda não discutimos, mas estamos abertos. Nada que venha a trazer qualquer risco à população terá o nosso apoio.

Qual é a atitude do Ministério da Saúde diante do fato de que a Índia poderá estar impedida de vender ao Brasil a matéria prima necessária para a produção local de medicamentos anti-retrovirais?
Há ainda uma certa controvérsia em relação à legislação que está para ser votada na Índia, que assumiu agora uma posição rígida quanto à propriedade intelectual. Independente disso, nós temos que nos preparar e investir na produção de matérias-primas pelos laboratórios nacionais. Um grave problema é que os laboratórios públicos - que são os grandes produtores desses medicamentos - não apresentam preços competitivos nas licitações, se comparados aos produtos indianos e também chineses.

Temos insistido com a ANVISA para que ela faça o processo de pré-qualificação da matéria prima no exterior, mas a Agência resiste fortemente a isso. Se fosse feita essa pré-qualificação, já de imediato tiraríamos um grupo de produtores estrangeiros, particularmente indianos, que muitas vezes vendem a matéria- prima com o preço lá embaixo e na hora de produzir o medicamento a matéria-prima é rejeitada. Essa é uma das razões de ter havido um processo de redução significativa de nossos estoques de anti-retrovirais. Mas houve também problema na entrega da matéria-prima. Estamos procurando atrair algumas empresas internacionais para que possam vir aqui produzir a matéria-prima. Nesse sentido, nos reunimos com um grupo argentino que tem interesse em investir em São Paulo, inclusive na produção de matérias-primas de alguns medicamentos que estão sob patente no Brasil. Se viéssemos a emitir uma licença compulsória e não tivéssemos oportunidade de comprar lá fora, eles teriam interesse e condição de ofertar essa matéria-prima.


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