CAPA
EDITORIAL
Finalizando a Gestão 1996-2003
ENTREVISTA
Geoffrey Kurland
SAÚDE SUPLEMENTAR
CPI dos Planos de Saúde
GERAL 1
Campanha para reivindicar honorários e autonomia aps médicos
GERAL 2
Destaque para a obrigatoriedade da prescrição de genéricos pelo SUS
GERAL 3
Destaque para a isenção da TFE para médicos da capital
ENSINO MÉDICO
Conheça as últimas medidas adotadas contra a abertura de novos Cursos de Medicina
NOVAS NORMAS
Regulamentação de especialidades e áreas de atuação.
INTERNET
Novidades do site do Cremesp, do Banco de Empregos Médicos e do site de Bioética
AGENDA
Destaque para os primeiros Cursos de Capacitação das Comissões de Ética
CURTAS
Confira os alertas contra medicamentos rejuvenescedores e contra novas dietas
PARECER
Contribuição previdenciária de profissionais autônomos
ESPECIAL
Processo Eleitoral
GALERIA DE FOTOS
ENTREVISTA
Geoffrey Kurland
“Os médicos são, realmente, os piores pacientes?”
A história de Geoffrey Kurland, diretor da Divisão de Pneumologia Pediátrica do Hospital de Pittsburgh, EUA, prova que nem sempre tal crença popular é verdadeira: há 15 anos, quando acometido por tricoleucemia (um tipo raro de leucemia, na época letal em 60% dos casos) acreditou em seus colegas, até nos momentos em que demonstravam-se desorientados.
Depois da vitória contra o câncer – que trouxe como fruto o livro My own medicine (“Meu próprio remédio”) –, como não poderia deixar de ser, viu mudar sua atitude em relação aos pacientes. Confira, a seguir, a entrevista concedida com exclusividade ao Centro de Bioética do Cremesp (encontrada, na íntegra, no site http://www.bioetica.org.br)
Para serem considerados confiáveis, tratamentos ou drogas devem ser demonstrados em congressos ou literatura específica. Não é surpreendente, então, que um médico tenha escrito o livro My own medicine?
Geoffrey Kurland. Não vejo surpresa, já que estamos acostumados a indicar tratamentos, medicações e cirurgias. Na verdade, o título se refere à minha visão particular sobre o fato de um médico se valer da Medicina, a partir do ponto de vista do paciente. Quando este é o caso, devemos interagir com os colegas, nos colocando exclusivamente como pessoas que carecem de orientações. Existe um livro anterior no qual é feita uma abordagem semelhante, publicado 15 anos atrás, chamado A Taste of My Own Medicine: When the Doctor is the Patient, escrito pelo Dr. Edward E. Rosenbaum, história que serviu de base para o filme The Doctor, com Willian Hurt (exibido no Brasil como “O Golpe do Destino”).
Os médicos não respeitam a própria saúde?
Kurland. Comumente, dizemos que somos os piores pacientes. Queremos trocar de lugar com colegas, tomar as rédeas do nosso tratamento, fugimos de check-ups... Além de ocupados demais, temos aversão à perda do controle. Mas logo no início da minha doença percebi que esse comportamento não iria me ajudar: sou especialista em pulmão, diagnosticado com leucemia. Aceitei, então, ser tratado por hematologistas e cirurgiões capacitados para me ajudar.
Muita coisa mudou em sua vida profissional, antes e depois da leucemia?
Kurland. Era um bom médico antes e espero que tenha continuado assim. Mudanças aconteceram, lógico, só que foram sutis, não modificaram minha convicção de que a Medicina moderna oferece as melhores esperanças no tratamento de várias doenças. De qualquer maneira, no entanto, agora posso dizer aos meus pacientes, incluindo crianças, que eu já passei por vários dos procedimentos que eles deverão enfrentar e isso acrescenta certo grau de credibilidade à nossa interação.
No dia-a-dia, tento diminuir o período de espera em minha clínica, além de procurar sentar com os pacientes e seus pais com tolerância, deixando claro que lhes darei o tempo necessário.
É impossível entender os medos e a dor do paciente, sem ter passado por sofrimentos parecidos?
Kurland. Logo no início do meu tratamento aprendi que não podemos dizer para os pacientes que “sabemos como estão se sentindo”. Cada experiência é única. Além disso, a capacidade de oferecer ajuda sem ter passado pelas mesmas circunstâncias move a condição central do ser humano, não apenas a condição de quem atua em Medicina.
E espero que consigamos ser compassivos sem ter que passar por experiências idênticas às de cada paciente. Se isso fosse pré-requisito para a carreira, já não teríamos muitos médicos!
O senhor se interessa por Bioética? Boa parte de seu livro focaliza histórias de pacientes terminais, medo da morte, respeito à autonomia...
Kurland. Não me considero um bioeticista, como alguns colegas da Universidade de Pittsburgh, mas na arena clínica tenho bastante interesse em Bioética. Como pneumologista pediátrico, às vezes me deparo com doenças ainda sem cura, por exemplo, fibrose cística. São justamente os cuidados em final de vida ministrados a esses pacientes, decisões quanto ao uso de tratamentos “heróicos”, que me conduzem aos aspectos mais complicados de se lidar....
Houve momentos em que o senhor se sentiu a caminho de se tornar um paciente terminal?
Kurland. Sim, quando tive febre, suores noturnos, perdi peso e meus médicos se demonstravam incapazes de achar a causa. Havia bem pouco o que eu pudesse fazer e o jeito foi manter a confiança nos especialistas. Depois de um mês de procura, as culturas utilizadas na biópsia dos meus nódulos linfáticos indicaram o desenvolvimento de pneumonia atípica ou MAC, da qual fui melhorando lentamente. Naquela época, resolvi aceitar qualquer coisa que meu “destino” me oferecesse, sem querer entregar os pontos. Por outro lado, sabia que uma atitude positiva me ajudaria, mas que ela, sozinha, não me curaria da infecção.
Exatamente o quê um paciente terminal espera do seu médico?
Kurland. O que qualquer um espera: ser respeitado. Os pacientes deveriam ser respeitados por seus médicos, da mesma forma que os médicos deveriam ser respeitados por seus pacientes. A melhor forma de se conseguir isso passa por um longo entendimento, construído à base de confiança, quando médico e paciente (e eventualmente, sua família) se conhecem bem e as decisões podem ser discutidas de forma aberta e honesta. Se o relacionamento for curto, o médico fará o melhor que puder, sempre se perguntando “como eu gostaria de ser tratado?”
O senhor trabalha com crianças. É mais difícil falar sobre morte com estes pacientes?
Kurland. Cuidar de qualquer pessoa que esteja morrendo é muito penoso. Tudo depende dos graus de relacionamento entre médico, criança e família, bem como das circunstâncias ligadas à morte. Entre os meus pacientes, em geral, os que vieram a morrer foram aqueles com quem eu convivi por um longo tempo. Seus pais me olhavam, procurando uma forma de diminuir o sofrimento desses meninos e meninas, e sua responsabilidade por esse período agonizante... Isso nunca foi simples, nem para mim, nem para eles.
O que é mais importante: usar todos os métodos disponíveis em Medicina para salvar vidas ou saber o exato momento de parar de tratar?
Kurland. Essa pergunta implica que existe uma resposta. Infelizmente, ainda não foi encontrada. Os métodos razoáveis deveriam ser utilizados para salvar o paciente desde que: 1) ele ou sua família queiram; 2) exista uma boa razão para acreditar que tal tratamento possa ser efetivo. Pessoalmente, considero que devemos preservar a dignidade do nosso paciente, não importando se para isso for preciso utilizar toda tecnologia disponível ou apenas procurar um jeito de controlar a dor e o sofrimento.
Na época de sua doença, o senhor passou por um tratamento experimental que literalmente lhe salvou a vida. Valeu a pena?
Kurland. Com precauções e controles adequados, sob a coordenação de pesquisadores honestos e alicerçados nos direitos humanos, acredito que esses ensaios são a melhor forma de avaliar as drogas. Não somos culturas de laboratórios ou animais e, portanto, podemos reagir de formas diversas às deles.
Quando o seu livro virá para o Brasil?
Kurland. Tive uma recente resposta de uma editora em seu país. Não tenho prazo exato, mas certamente deverá estar nas mãos dos brasileiros entre seis e 12 meses.
Resumindo, o que é mais importante: a saúde ou os sentimentos dos pacientes?
Kurland. Ambas as coisas são importantes, é difícil indicar categoricamente uma. Digo que os sentimentos tornam-se pouco importantes se eu me abstiver de prescrever tratamentos para não feri-los e meus pacientes vierem a morrer. Por outro lado, manter a dignidade é fundamental. Uma das regras mais importantes em Medicina é fazer o que existe de melhor para os pacientes, deixando que eles exprimam livremente seus anseios.